quinta-feira, 25 de outubro de 2007

VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA: ANÁLISE DE UMA COMUNIDADE DE SÃO SEBASTIÃO - DF

maria cecília oliveira menezes








Variação Lingüística:
análise de uma comunidade de São Sebastião - DF
















Brasília - DF
2007
maria cecília oliveira menezes
Variação Lingüística:
análise de uma comunidade de São Sebastião - DF
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Letras da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção de título de licenciada em Português e Inglês e Respectivas Literaturas.

Orientadora: Profa. Dra. Rosineide Magalhães de Sousa.
Brasília - DF
2007
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________Profa. Dra. Rosineide Magalhães de Sousa
______________________________________________Profa. Dra. Christine Maria Soares de Carvalho
______________________________________________Profa. MSc. Vera Lúcia Cordeiro da Conceição



Às minhas inspirações mamãe e Socorrinha.
Agradeço a Deus por ter me dado o dom da vida.
À minha família, pelo amor e confiança.
A todas as pessoas que contribuíram para a realização desse trabalho.
Ao meu namorado pela ajuda e paciência.
E em especial à professora Rosineide, que constatei ser uma pessoa maravilhosa e excelente orientadora.

“Que as vossas conversas sejam sempre amáveis, temperadas com sal, e sabei responder a cada um devidamente”.
(Col. 4, 6)
Resumo
Neste trabalho apresenta-se um estudo à luz da Sociolingüística, em que são abordados seus conceitos e objeto de estudo: a fala (parole). A base teórica é formada pelos estudos sociolingüísticos realizados no Brasil e pela teoria que aborda o assunto de modo geral. Para maior veracidade dos resultados, esse estudo foi realizado em uma comunidade de fala: moradores da cidade de São Sebastião, Distrito Federal. Esses falantes são originários da cidade de Manaíra, Estado da Paraíba. Para a coleta dos dados apresentados foram realizadas gravações de conversas informais e entrevistas, por meio de uma pesquisa etnográfica. O estudo nessa comunidade de fala tem o objetivo de conhecer e analisar a variedade lingüística utilizada por esses falantes, assim como o de averiguar quais os conceitos que os mesmos trazem sobre a língua. Os dados coletados foram analisados com base na Sociolingüística Interacional e Variacionista, buscando-se assim uma abordagem, o mais completa possível, dos resultados.



Palavras-chave: Sociolingüística; variação lingüística; pesquisa etnográfica.
Abstract
This paper presents a study written in the light of the Sociolinguistics, in which its concepts and object of study, speech (parole), are approached. The theory basis is made of Sociolinguistics studies accomplished in Brazil and by the theory that deals with the subject in a general way. To guaranty the complete veracity of results, this research was made in a speech community: residents in the city of São Sebastião, in the Federal District. These speakers come from the city of Manaíra, in Paraíba State. To collect the data presented, recordings of informal talks and interviews were made through an ethnographic research. The study in this community of speech has the purpose to know and analyse the linguistic variety utilized for this speakers, and the concepts that they have about the language. The analysis of the collected data was based on the Interactional and Variational Sociolinguistics, in search for the most complete broaching possible of the results.




Key-words: Sociolinguistics; linguistic variation; ethnographic research.



Normas de Transcrição

... = pausa maior
.. = pausa menor
/?/ = fala não entendida
[...] = discurso suprimido

Os nomes estão abreviados para preservar a identidade dos participantes da pesquisa.














Sumário

Resumo 7
Abstract 8
Normas de transcrição 9
1 - Introdução_________________________________________________________ 12
2 - Sociolingüística: uma abordagem histórica e geral ____________________________ 15
2.1 - Breve história da (Socio)Lingüística __________________________________ 15
2.2 - A Sociolingüística _______________________________________________ 16
2.2.1 - Vertentes da Sociolingüística__________________________________ 17
2.2.2 -Classificação das Variedades Lingüísticas_________________________ 19
2.3 - Norma Padrão e Norma "não Padrão" _______________________________ 20
2.4 - Variação Ligüística ______________________________________________ 23
2.4.1 - Classificação da Variação Sociolingüística________________________ 25
2.4.2 - Níveis de Variação Linguistica_________________________________ 26
3 - Metodologia da Pesquisa ______________________________________________ 29
3.1 - A Pesquisa Etnográfica____________________________________________ 29
3.2 - A cidade de Manaíra - PB ________________________________________ 30
3.3 - A cidade de São Sebastião - DF____________________________________ 31
3.4 - A comunidade analisada___________________________________________ 32
4 - Análise dos Dados___________________________________________________ 34
4.1 - Variação Fonético-fonológica_______________________________________ 34
4.1.1 - Processo de monotongação___________________________________ 34
4.1.2 - Processode ditongação______________________________________ 38
4.1.3 - A terminação -ndo no gerúndio e conjunções______________________ 39
4.1.4 - A preposição para_________________________________________ 41
4.1.5 - Modificação das vogais médias________________________________ 43
4.1.6 - O imperativo______________________________________________ 46
4.1.7 - A vocalização da lateral palatal /lh/_____________________________ 46
4.1.8 - Supressão do /r/ pós-vocálico_________________________________ 47
4.1.9 - Substituição da terminação /am/ pela /um/________________________ 50
4.1.10 - A variação da partícula negativa não___________________________ 51
4.1.11 - Outras observações_______________________________________ 52
4.2 - Variação Morfossintática__________________________________________ 54
4.2.1 - Concordância verbal________________________________________ 54
4.2.2 - Concordância nominal_______________________________________ 55
4.2.3 - O possuido e o possuído_____________________________________ 56
4.3 - Variação Semântica______________________________________________ 57
4.4 - Variação Lexical________________________________________________ 59
4.5 - Variação Estilístico-pragmática______________________________________ 62
5 - Como os falantes veêm a língua__________________________________________ 64
6 - Considerações Finais_________________________________________________ 68
Referências 70
Anexos ______________________________________________________________ 74
1 - Introdução
A língua é um instrumento que está em constante transformação. Não é algo pronto, acabado, e muito menos estagnado. Esse fenômeno acontece principalmente pelo fato de ela ser usada por seres humanos que estão em constante movimento, inventando e reinventando coisas, objetos, o mundo ao seu redor, e a língua não podia ficar indiferente a essa mudança, pois é usada por todos. Se a língua fosse algo definido, pronto, estaríamos ainda hoje falando o mesmo Português que encontramos nas obras de Camões ou a “língua” que os portugueses falavam quando aportaram com suas caravelas nas costas de nosso país. Contudo, todos são conscientes que isso não condiz com a verdade, tanto é que ao se ler “Os Lusíadas” muitas vezes recorrer ao dicionário se faz necessário, porque nessa obra encontramos palavras e expressões que não são mais utilizadas pelos falantes do Português do Brasil, sequer conhecemos muitos desses termos.
Por isso, que se faz necessária a luta contra o preconceito lingüístico existente em nosso país e no mundo, pois as mudanças que acontecem na fala e, muitas vezes, na escrita são provenientes de uma norma internalizada que o falante traz inconscientemente, que embora não pareça, fazem parte do senso comum da língua ou de uma comunidade específica de falantes. Aceitar que existem essas diferenças no modo de falar, as diferentes variantes, é o primeiro passo para uma democratização das diversas variedades, falares. É conhecendo, aceitando e respeitando as diferenças que esse paradigma de que existe um Português comum a todos os brasileiros poderá ser finalmente banido de nossa sociedade.
O falante precisa ter a consciência de que a norma padrão é apenas uma das variedades da língua. Entender que essa norma padrão deve ser ensinada e aprendida para que haja uma uniformização na escrita formal e para que saiba se comunicar em eventos formais de fala. Mas também necessita entender que a “língua” que utiliza em casa ao tratar com seus familiares e amigos é outra variedade e não uma “seqüência de erros” que precisa ser corrigida.
É para entender melhor como esses diversos modos de falar circulam em nosso meio que a Sociolingüística se propõe a analisar a fala em uma comunidade de uso. E este trabalho tem por principal objetivo contribuir, de alguma forma, com os estudos sociolingüísticos em nosso Estado. Fazendo uma singela análise da variação que acontece principalmente no âmbito social, diastrática, no nível diatópico, que visa analisar a variação decorrente da origem geográfica, diafásica, que analisa a questão do monitoramento que o falante faz no momento da interação. Os falantes que contribuíram oralmente, como informantes, para a realização desta pesquisa residem na cidade de São Sebastião no Distrito Federal e são provenientes da cidade de Manaíra no Estado da Paraíba.
Dentre os objetivos específicos desta pesquisa estão:
· Realizar uma análise nos níveis fonético-fonológico, morfossintático, semântico, lexical e estilístico-pragmático da variação lingüística utilizada pelos falantes entrevistados da comunidade de São Sebastião;
· Identificar a criação de novas palavras e expressões por essa comunidade;
· Apresentar como a variedade lingüística utilizada por eles interage com outras variedades existentes no Português do Brasil;
· Identificar qual entendimento que os falantes têm em relação à língua, quais os conceitos que trazem de si mesmos.
Essa pesquisa também se propõe a ajudar na conscientização de nossa sociedade de que não existe uma “língua correta”, usada por uma elite privilegiada, com outras “sub-línguas” ao redor buscando uma aproximação a esse “falar correto”. Esse trabalho se propõe a contribuir na desmistificação desse paradigma, levantando a questão de que existem diversas variedades que precisam ser conhecidas, estudadas, analisadas e, sobretudo valorizadas, para que assim se possa entender melhor nossas origens e como se organiza cada uma dessas variedades, em especial no Distrito Federal que recebe pessoas de todos os estados, culturas e povos.
As perguntas que essa pesquisa se propõe a responder são:
Como a linguagem acontece de fato na língua falada?
Até que ponto acontece a monitoração da norma padrão em contextos de fala?
Como a comunidade analisada, isto é, a comunidade de São Sebastião, vê a interação entre sua variedade lingüística e as variedades com as quais se relaciona?

Buscando uma melhor organização, o trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo que o primeiro é esta introdução onde são apresentados o tema e o objetivo da pesquisa realizada. No segundo capítulo é apresentada a fundamentação teórica utilizada para a realização deste trabalho, sendo que no mesmo encontra-se uma breve da história sobre a Lingüística e a Sociolingüística, e em seguida um estudo sobre a Sociolingüística onde são abordados temas como variação lingüística, norma padrão e não padrão da língua. No terceiro capítulo encontra-se a metodologia utilizada na pesquisa, um breve relato sobre o que vem a ser uma pesquisa etnográfica, trazendo conjuntamente o contexto da cidade onde os falantes-colaboradores residem, o local de onde eles vieram e quem são esses falantes. A análise dos dados coletados nesta comunidade é feita no quarto capítulo. No quinto, e último, capítulo encontram-se as conclusões que foram alcançadas ao final do trabalho. Após as referências há também os anexos, que são as transcrições das entrevistas e diálogos dos, e com, os falantes dessa comunidade.
Espera-se que as próximas páginas possam ajudar de alguma forma, no estudo sobre a Sociolingüística dos que delas terão acesso e daqueles que se interessam por essa vertente da Lingüística tão importante de ser conhecida por todos.

























2 - Sociolingüística: uma abordagem histórica e geral

Neste capítulo será primeiramente apresentado um breve resumo de como surgiu a Sociolinguistica; posteriormente o que vem a ser esse vertente da Linguistica e seu objeto de estudo, suas vertentes e classificações; em seguida será exposta a relação entre norma padrão e norma não padrão; e finalmente o conceito, classificação e níveis da variação lingüística.


2.1 - Breve história da (Sócio)Lingüística

A Lingüística consolidou-se como ciência a partir dos estudos de Ferdinand de Saussure na França e da publicação da obra Cours de Linguistique Générale (Curso de Lingüística Geral), em 1916, obra escrita pelos ex-alunos de Saussure: Charles Bally e Albert Sechehaye, três anos após sua morte.
Contudo o estudo Lingüístico saussuriano deixou lacunas, pois ele define a língua (langue), que é vista sob um ângulo social, como objeto central de seu estudo lingüístico, em oposição à fala (parole), que é considerada algo individual. A língua é vista por Saussure como um sistema de regras, um estudo, de certa forma, sincrônico, - nesse nível a língua é concebida como um sistema completamente estático, homogêneo, regular (HORA, 2004, p. 15) - privilegiando o caráter formal e estrutural do fenômeno lingüístico (ALKMIM, 2001, p. 23). Assim ele analisava a língua como um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo, “sua intenção não era formar um sistema de uma língua particular, mas elaborar um sistema de conceitos gerais que pudesse dar conta de todas as línguas” (HORA, 2004, p. 15). Esse estudo não levava em consideração o falante e os diversos modos como a língua se apresenta. Assim, Saussure privilegia a língua como seu objeto de estudo, pois a considerava como um “sistema subjacente à atividade da fala, mais concretamente, é o sistema invariante que pode ser abstraído das múltiplas variações observáveis da fala” (ALKMIM, 2001, p. 28).
O nascimento da Sociolingüística ou Teoria da Variação acontece a partir da constatação da importância da fala, sua preocupação é observar o fenômeno lingüístico em sua abrangência dialetal e variacional, observando como a língua funciona em um contexto de fala, e quais os fatores que influenciam para que as mudanças lingüísticas ocorram.
Os estudos sociolingüísticos consolidam-se a partir de 1964 com a realização de um congresso na Universidade da Califórnia, no estado de Los Angeles, Estados Unidos. Esse congresso foi organizado por William Bright, e contou com a participação de importantes figuras nos estudos da Sociolingüística mundial: William Labov, Dell Hymes e John Gumperz (SOUSA, 2005, p.153). Desse congresso resultou a coletânea Sociolinguistic (Sociolingüística). Nesta obra os lingüistas procuram estudar a diversidade lingüística na estrutura social. Eles privilegiam a fala que é estudada através de “orientações contextuais”, ou seja, os lexemas estão inseridos em um contexto a partir do qual se conhece o sentido dos termos e sua aplicação no dia-a dia daquela sociedade. (ALKMIM, 2001, p.24).
Outros estudiosos como F. Boas (1911), Edward Sapir (1921) e Ben Jamin L. Whof (1941), assim como, Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile Benveniste e Roman Jakobson, que valorizavam a relação interdisciplinar entre linguagem, cultura e sociedade, também contribuíram para a formação da Sociolingüística, tal qual como a conhecemos atualmente. (SOUSA, 2005, p. 154).


2.2 – A Sociolingüística

A Sociolingüística, também conhecida como Teoria da Variação, preocupa-se em estudar a língua em uso na comunidade de fala. Esse estudo leva em consideração a língua como algo social, pertencente a todos os indivíduos de uma comunidade. A Sociolingüística concebe a língua como uma estrutura viva, que se diversifica dependendo da região onde é empregada, ou seja, ela possui um caráter heterogêneo. A respeito deste tema Bortoni-Ricardo (2005, p.20) afirma:

A Sociolingüística se ocupa principalmente das diversidades nos repertórios lingüísticos das diferentes comunidades conferindo às funções sociais que a linguagem desempenha a mesma relevância que até então se atribuía tão-somente aos aspectos formais da língua.

Ou seja, seu objeto de estudo é a língua falada, em um contexto social, em uma situação real de uso. Pois, a língua é instrumento complexo, com várias possibilidades de uso. Essas possibilidades são geradas porque o homem é um ser subjetivo que a utiliza em diversas situações. Por isso, pode-se dizer que cada falante usa a língua da forma que considera melhor para exprimir seu pensamento, não deixando de ser uma questão de gosto.
Sem a comunidade não existe interação, daí a importância de se analisar a relação existente entre língua, sociedade e cultura. Pois, é através da vida em sociedade - da interação entre os indivíduos – e da herança cultural, que ocorrerão as mudanças na língua. A esse respeito Hora (2004, p. 18) escreve:

A Teoria da Variação opõe-se à ausência do componente social e à concepção de língua que até então impera na lingüística estrutural e gerativa. Situa-se em relação ao conjunto língua e sociedade[1], considerando a variedade das formas em uso como objeto complexo, decorrente dos fatores internos, próprios do sistema lingüístico, e dos fatores sociais que interagem no ato da comunicação. A variação da língua constitui, portanto, um dado relevante da teoria e da descrição Sociolingüística.

E são fatores sociais, externos, que mais contribuem para a mudança na língua, pois é a partir deles que o falante registra informações em seu inconsciente, e assim com o passar do tempo haverá uma mudança nos termos, expressões e nas formas como a língua é usada.

2.2.1 - Vertentes da Sociolingüística

Existem duas linhas pelas quais o estudo sociolingüístico pode ser analisado: a Interacional e a Variacionista.

· Sociolingüística Interacional - apresentada por Dell Hymes (1927), procura estudar “o uso da língua na interação social face a face” (SOUSA, 2005, p. 157), busca analisar o modo de agir do falante no momento da interação, e isto depende de vários fatores, como: com quem se fala, sobre o que se fala, o local da conversa e a circunstância do momento da fala.
· Sociolingüística Variacionista – introduzida em nosso meio por William Labov (1927), que designa de Variacionista a vertente que busca analisar os fatores lingüísticos em um contexto social, ou seja, leva em consideração fatores como a idade, o sexo, o nível social, a origem étnica, etc. Ele afirma que essas características do locutor (falante) e do interlocutor (ouvinte) podem influenciar no modo como o indivíduo usará seu repertório ao se comunicar.

Como se pode perceber a Sociolingüística trabalha a língua em um contexto de fala, seja ele no modo da interação entre os falantes ou nos fatores sócio-étnicos que influenciam em como esse falante se comporta no momento da fala. Por isso, o estudo da fala não é dissociado da sociedade, pois é na convivência social que a fala acontece em seus diversos modos. Daí se afirmar que a linguagem é social, pois o homem a adquire no convívio em sociedade e ela pertence a todos os indivíduos dessa comunidade. Eles apropriam-se dela e a usam para viverem em harmonia uns com os outros, é o melhor meio para o homem expressar seus sentimentos e emoções. Linguagem, sociedade e cultura estão unidas de tal modo que a evolução de uma se deu juntamente com a evolução da outra, pode-se dizer que é uma relação de dependência mútua.
Vários autores reconhecem essa ligação com autoridade, um exemplo é Tânia Alkmim (2001, p.24), ao afirmar que a fala é estudada através de “orientações contextuais”, ou seja, os lexemas estão inseridos em um contexto a partir do qual se conhece o sentido dos termos e sua aplicação no dia-a dia daquela sociedade.
Para Meilet “as línguas não existem fora dos sujeitos que as falam”, por isso a língua é uma realidade simultaneamente lingüística e social. Benveniste afirma que “é através da língua que o homem se define em uma classe seja ela de autoridade ou de produção, pois ela revela o uso particular que grupos ou classes de homens fazem [dela]”. Já Bakhtin diz que a interação verbal constitui a realidade fundamental da língua, “é dentro da, e pela língua, que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente”. (ALKIMIM, 2001, p. 24, 25 e 27).
É assim que a sociolingüística estuda a língua, levando em consideração seu caráter individual e social, pois cada indivíduo possui seu modo particular e pessoal ao usá-la, ou seja, usa a variedade que melhor lhe apraz no momento de se expressar oralmente. Contudo, a escolha dessa variedade depende, como já foi citado, de diversos fatores como: sexo, idade, origem e convivência sociocultural, contexto em que a fala acontece, etc. No entanto, faz-se necessário salientar que esses diversos falares são regidos por um mesmo conjunto de regras, por uma “língua” comum, um exemplo disso é a estrutura das frases em sujeito, verbo e complemento, como nas frases: ‘nós fomos ao supermercado ontem’, o falante admite certas diferenças como o modo em que o advérbio de tempo pode ser enquadrado, o falante aceita sem problemas construções como: ‘ontem nós fomos ao supermercado’ ou ‘nós fomos ontem ao supermercado’. Outra mudança aceita tranquilamente é a mudança da preposição – a, que a norma padrão diz ser a que deve acompanhar o verbo ‘ir’ quando este indicar movimento, - pela preposição em+o ou para+o: ‘nós fomos no mercado ontem’ ou ‘nós fomos pro (para+o) mercado ontem’. Contudo nenhum falante da Língua Portuguesa no Brasil, por enquanto, admite construções como: ‘mercado nós ao ontem fomos’ ou ‘ontem mercado fomos ao nós’. É nesse nível que existe no inconsciente do falante o citado conjunto de regras comum, a “língua comum”.
No Brasil a “língua comum que nós temos”, falada por quase todos os nativos - quase todos, pois há povos indígenas que tem por língua materna a usada em sua tribo – é o Português. No entanto, ao se falar com pessoas de diferentes regiões percebemos que há diferenças no modo como cada indivíduo usa a língua. As palavras, muitas vezes, são usadas com diferentes sentidos, chamadas variantes, ou seja, diversos significados para um mesmo significante, um exemplo são os vários termos apresentados a um mesmo tubérculo muito usado no Brasil, chamado em algumas regiões de mandioca, em outras de macaxeira ou de aipim. Essas diferenças também são percebidas pelo modo de falar dos indivíduos, o sotaque. Daí que se pode dizer que os falantes de uma língua ao aplicá-la em um contexto de fala usam-na do modo que melhor caberá no momento de interação, não usando, em geral, todas as regras da norma culta da língua. Daí pode-se constatar a existência de uma norma padrão e de uma norma não padrão da língua.
A língua é um objeto histórico-cultural, por isso varia no tempo e no espaço. Mesmo sendo única em um país, como o Brasil, tem suas variações dependendo do local e do objetivo do falante no momento da fala. Um dos fatores que contribuem para existência de tanta diversidade é o tamanho do país, que por ser grande não permite um contato profundo, em especial, de regiões que estão no extremo.

2.2.2 – Classificação das Variedades Lingüísticas

Como já explicado anteriormente a variedades lingüísticas são os diversos modos de falar em uma língua, e esses modos são diretamente influenciados por fatores como: idade, sexo, grau de escolaridade, origem geográfica e étnica, etc. Uma outra questão interessante é o fato de toda variedade possuir suas características próprias, diferenciando-se assim umas das outras. Em função desses fatores as variedades lingüísticas, segundo Bagno (2007), estão classificadas em: dialeto, socioleto, cronoleto e idioleto.
Dialeto – esse termo designa o modo que caracteriza o uso da língua falada em um lugar determinado, envolve variedades de pronúncia, gramática e vocabulário;
Socioleto – se refere à variedade característica de um grupo que compartilha de um mesmo universo sociocultural, sejam relações de trabalho, nível cultural, posição econômica, etc.;
Cronoleto – diz respeito a variedade utilizada por falantes de uma idade, ou melhor, de uma geração;
Idioleto – designa a individualidade na fala de um indivíduo, seu repertório vocabular, seu modo de pronunciar as palavras, de elaborar as sentenças, etc.

Para a questão das variedades lingüísticas não se pode deixar de mencionar uma frase de Marcos Bagno (2007, p. 48): “todas as variedades lingüísticas se equivalem, todas têm sua lógica de funcionamento, todas obedecem a regras gramaticais que podem ser descritas e explicadas”, daí pode-se afirmar que não existe falar melhor, mais bonito, todos são o Português agindo no inconsciente dos falantes.


2.3 - Norma Padrão e Norma “não Padrão”

Todas as línguas possuem diversas variedades. Essas variedades possuem uma regra que garante a unidade lingüística, porém uma dessas variedades é institucionalizada como a norma padrão do idioma.
Essa norma padrão é a que encontramos nos dicionários e livros didáticos, ela é utilizada principalmente na escrita ou quando o falante necessita de um nível mais formal na fala, por exemplo: em uma entrevista de emprego, quando se fala com um superior ou quando é necessário falar em público. Em razão disso pode-se afirmar que a norma padrão, como um dos modos de falar de uma comunidade, é caracterizada por um conjunto de regras que procura sistematizar a língua, procurando “corrigir os erros” cometidos pelos falantes. (ALKMIM, 2001, p.40).
Porém, ao se privilegiar a norma padrão do idioma a tendência é que as outras variedades da língua sejam desprezadas, com isso acaba-se deixando a margem a maior parte da população, pois a língua, na maioria das culturas, é um fator de ascensão social, ou seja, quem usa o falar padrão, considerado “correto”, é considerado detentor de uma cultura que é, de certa forma, prestigiada por alguns estudiosos da língua, no caso, certos gramáticos. Em função disso, esses grupos que possuem um modo de falar diferente do padrão são desprezados, pois são considerados não portadores de qualquer “cultura significativa”, permanecendo assim socialmente marginalizados. Há os que consideram como origem desse problema o código, com isso “propõem que este seja substituído por uma variedade lingüística popular”. (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 15), porém por qual variedade lingüística, pois no Brasil existem várias. Isso fica bem claro quando observamos o falar de um nordestino em contraposição ao falar de um gaúcho, em suas expressões e no modo de pronunciar as palavras. Um exemplo é o lexema que o gaúcho utiliza para designar um indivíduo do sexo feminino na sua fase infantil e adolescente, o gaúcho chama esse indivíduo de guria enquanto o nordestino de menina, e também existe a variante garota utilizada em outras regiões. O nordestino também possui uma pronuncia mais lenta, podemos dizer arrastada, enquanto o gaúcho pronuncia de forma mais rápida as palavras. Até mesmo entre os habitantes de uma mesma região há diferenças, um baiano não possui o mesmo modo de falar de um paraibano, uma dessas diferenças pode ser constatada no modo como o falante de cada um desses estados chama pela progenitora, o baiano ao chamá-la, geralmente usa o lexema mainha e o paraibano utiliza, normalmente, mãe ou mamãe.
Essa diversidade se dá em função de vários fatores, no entanto Marcos Bagno destaca (1999, p.16):
A verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade[2], não só por causa da grande extensão do país – que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito – mas principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda em todo o mundo.

Como se pode observar a questão da exclusão lingüística se dá principalmente por uma questão sócio-financeira, onde quem possui um maior poder aquisitivo tem a sua cultura mais valorizada, não apenas no fator lingüístico, isso também acontece no modo de vestir, andar, agir, na postura que esses indivíduos assumem perante a sociedade. Porém o fator lingüístico é mais característico, pois revela, geralmente, a origem e a cultura às quais o individuo pertence. Por isso que Bortoni-Ricardo (2005, p.15) afirma: “o caminho para uma democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre os quais a língua é o mais importante”.
Essa exclusão lingüística é reafirmada porque a mídia, a televisão, o rádio e as revistas, têm a intenção de ensinar o que é certo e o que é errado, assim como as gramáticas e os livros didáticos (BAGNO, 1999, p. 13), deixando à margem o falante ativo da língua que absorve em seu inconsciente que seu modo de falar é errado. Esses meios não levam em consideração que “todo falante nativo de uma língua sabe essa língua. Saber uma língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela”. (BAGNO, 1999, p. 35)
A escola também contribui para que a norma padrão seja supervalorizada em detrimento das outras variedades da língua, pois ao enviar seus filhos para o colégio os pais esperam que eles aprendam a “falar direito”, pois a linguagem ensinada na escola, como sendo a padrão, transporta o indivíduo de um grupo social a outro, porque o aprendizado da norma culta da língua lhe garante certo status na sociedade.
E não apenas da norma (gramática) em si, mas no modo como pronunciar as palavras, o sotaque. Pois o sotaque de determinadas regiões são simplesmente desprezados, sendo motivo de chacota pelos falantes da norma culta. Em relação a isso Lyons (1981, p.203) afirma o seguinte:

A questão é que certas diferenças fonéticas entre sotaques podem ser estigmatizadas pela sociedade, da mesma forma como certas diferenças lexicais e gramaticais entre dialetos o são. Pais e professores tentam frequentemente eliminar o que consideram como marcas de status social inferior ou como regionalismos. Mesmo se não são bem-sucedidos, eles terão desempenhado a função no perpetuamento da crença geral na comunidade lingüística de que a pronúncia tal é indicadora de inferioridade social ou de educação, e isto tem como efeito aumentar a sensibilidade da maioria das pessoas em relação ao assunto.

O problema acontece, principalmente, porque a escola e os meios de comunicação privilegiam o falar de uma determinada região, não trabalhando com a forma que o educando já conhece e convive diariamente.
Outra característica que também é observada quando se fala em norma padrão e não padrão de uma língua é o fato de as mulheres, em geral, serem “mais conscientes de normas e de status do que os homens nas sociedades ocidentais modernas” (LYONS, 1981, p.204), caso do Brasil, pois os homens trazem em seus inconscientes que ao falar o dialeto de sua região é transparecido um sinal de virilidade e lealdade com o grupo. Pois como já foi dito o sexo também influencia no modo de falar de uma determinada sociedade.
Todo esse problema lingüístico ocorre porque as gramáticas e gramáticos tradicionais “estudam a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que a falam” (BAGNO, 1999, p. 9). E infelizmente é apenas essa gramática que é estudada nas escolas, sendo o aluno obrigado a aprendê-la e reproduzi-la nesse ambiente, pois se o contrário acontecer o estudante é estigmatizado, sendo deixado à margem.
Isso não significa que a norma culta da língua não deva ser aprendida, pelo contrário, a lingüística recomenda que a norma culta seja ensinada nas escolas, pois “o domínio da língua padrão é requisito obrigatório para o desempenho em eventos de fala formais e públicos” (BORTONI-RICARDO, 2005, p.27) e na língua escrita. Contudo a questão é que a instituição escolar faz com que o estudante perca suas origens, sua identidade cultural.
É em função de reflexões desse tipo que os Parâmetros Curriculares Nacionais se manifestam da seguinte forma quanto ao assunto (PCN, apud, BAGNO, 1999, p.75):

Há muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado às variedades não-padrão consideradas inferiores ou erradas pela gramática. Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, são objeto de avaliação negativa.
Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma ‘correta’ de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de outras, o de que a fala ‘correta’ é a que se aproxima da língua escrita, o de que brasileiro fala mal português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso ‘consertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado.
Essas crenças insustentáveis produziram uma prática de mutilação cultural [...].

Ou seja, há diversas formas de se falar uma mesma língua, porém uma dessas formas é chamada de norma padrão, esta norma deve ser utilizada para que haja uma padronização normativa, que possibilite um maior entendimento entre todos os falantes. Contudo, isso não quer dizer que este é o único modo correto de se comunicar, ou que ele seja melhor que os outros. Ela simplesmente existe para garantir uma unidade lingüística, devendo ser modificada ou melhorada conforme o modo de falar da população vai modificando.


2.4 - Variação Lingüística

A variação lingüística analisa a língua como um objeto histórico-cultural, que varia no tempo e no espaço. Assim em um país como o Brasil, mesmo sendo única, a língua não é usada da mesma forma por todos os falantes, há diferenças fonológicas, morfossintáticas e semânticas nas diversas regiões, e isso ocorre como já foi citado, em função da extensão territorial do país que não permite um contato profundo entre as regiões que estão nos extremos e da “trágica injustiça social”, que desmerece o falar do menos favorecido financeiramente (BAGNO, 1999, p. 16). A partir dessa observação pode-se entender o porquê do falar do amazonense ser diferente do carioca que também difere do gaúcho, sendo até difícil, em certas ocasiões, o entendimento de ambos em um diálogo. Essas diferenças também se dão em função da colonização, pois cada região foi colonizada por povos de países diferentes, trazendo consigo seu modo de falar, expressões e sua cultura, que influenciaram no modo de falar do colonizado. Lyons (1981, p.217) também cita fatores como os sentimentos e as intenções comunicativas do autor, a personalidade do falante, como influenciadores na escolha de como o indivíduo vai se expressar oralmente em cada situação, ou seja, qual variação da língua será mais adequada.
A variação também depende do ambiente em que o falante está exposto, e é igualmente influenciada pela escolaridade, sexo, idade, nível social e ambiente de uso da fala. Outro fator que influencia na variação lingüística é o fato de cada indivíduo usar a língua da forma que considera melhor para exprimir seu pensamento, da maneira que considera mais adequada. Essa diversidade se dá porque “a língua é um instrumento complexo, com várias possibilidades de uso. Essas possibilidades são geradas porque é o homem, um ser subjetivo, que a utiliza em diversas situações” (SOUSA, 2005, p.193).
Outros fatores igualmente influenciam na variação lingüística, que são: o fator histórico, o geográfico, o social e o estilístico. Cada um deles será explicado com mais detalhes a seguir:
A Variação Lingüística Histórica acontece com o passar do tempo, pois certas formas de uso da língua caem em desuso, pelo fato desta ser uma estrutura viva. Em geral quando certo grupo, com maior expressividade social, atribui a si certo falar, este se torna o padrão da sociedade com o tempo, sendo que os outros falares ficam “desprezados” pelo grupo, sendo usados apenas pelas pessoas mais velhas do grupo.
Em um país extenso como o Brasil, a Variação Lingüística Geográfica se dá em função de cada região possuir sua forma característica no modo de falar. Essa diferença é percebida na pronúncia dos sons, na ordem sintática e no vocabulário.
Já a Variação Lingüística Social acontece pelo fato de os falantes de uma mesma região poderem se expressar de maneiras diferentes, isso se dá em função do ambiente em que vivem, do modo como se expressam as pessoas de sua convivência. Fatores como grau de instrução, sexo e idade influenciam no modo como os indivíduos de uma mesma região utilizarão a fala.
Por fim, a Variação Estilística ocorre dependendo da circunstância em que o falante se encontra. Em cada uma destas circunstâncias ele busca um modo informal ou formal na sua fala. A forma informal se dá através de uma escolha inconsciente das expressões, não havendo preocupação do falante em usar a forma mais adequada gramaticalmente da língua. Quando ele usa a linguagem formal a escolha dos termos é consciente, fazendo assim, uso da forma tradicionalmente adequada.

2.4.1 – Classificação da Variação Sociolingüística

Segundo Marcos Bagno (2007, p. 46) a variação lingüística está classificada em diastrática, diatópica, diamésica, diafásica e diacrônica.
A variação lingüística que acontece no âmbito das diferentes classes sociais é chamada de diastrática – do grego dia: através de, e do latim stratum: camada, estrato. Ela acontece na relação do locutor para com o interlocutor, em decorrência dos seguintes aspectos: faixa etária, sexo, escolaridade, profissão, meio de convivência e classe social, ou seja, o poder de consumo contribui para que o indivíduo tenha acesso à norma padrão e assim, fazer uso desta com maior freqüência. Em relação ao sexo, um dos exemplos que pode ser citado é o uso do diminutivo por mulheres e de palavrões por homens; o uso das expressões brusa e blusa, nois fumo e nós fomos, são influenciados pela idade e pelo grau de escolaridade do falante; no caso do contexto social, têm-se as gírias, usadas geralmente pelos adolescentes, que procuram possuir uma linguagem própria. A questão do contexto social também é percebida na escolha que o falante faz entre o uso do estilo formal ou informal, dependendo do local e do interlocutor no momento da fala.
A variação lingüística será diatópica – do grego tópos: lugar – quando sua origem for geográfica. Esta variação se dá por fatores regionais, e é percebida na pronúncia, no vocabulário e na organização da frase (SOUSA, 2005, p.180). Por exemplo, apesar de brasileiros, portugueses e angolanos falarem um mesmo idioma, Português, cada qual possui suas particularidades fonológicas, morfossintáticas e semânticas, em Portugal usa-se rapariga para designar uma jovem mulher, já no Brasil o termo usado é ‘moça’, sendo a palavra ‘rapariga’ usada como um termo pejorativo, em algumas regiões vista como ofensa, pois se remete a prostituta. Outro exemplo de variação diatópica são os termos empregados com sentidos diferentes nas diversas regiões do Brasil, exemplos: no sudeste o termo ‘incomodada’ se remete ao incômodo que se sente em função da presença de alguém, já no nordeste esse lexema está diretamente relacionado à mulher menstruada; no sul cacete designa um tipo de pão e no sudeste a porrete.
Quando há comparação entre a língua falada e a língua escrita a variação é chamada de diamésica – do grego mésos: meio (de comunicação) –, está intrinsecamente ligada ao conceito de gênero textual.
A variação diafásica – grego phásis: expressão, modo de falar – está ligada à variação estilístico-pragmática que será conceituada a seguir, nesta o falante faz um uso diferenciado da língua de acordo com o grau de monitoramento, formalidade, que será necessário no ato da comunicação oral.
A comparação que se faz entre as diferentes fases da história de uma língua é a variação diacrônica – khrónos: tempo (grego). É fato indiscutível que as línguas mudam com o tempo. Isto pode ser observado quando lemos à carta de Caminha sobre o descobrimento do Brasil, algum texto de Machado de Assis e algum livro ou artigo escrito nos dias atuais, às diferenças entre eles é perceptível até para um não conhecedor dos estudos Lingüísticos e Sociolingüísticos.

2.4.2 – Níveis de Variação Lingüística

A variação lingüística também pode se dar em vários níveis: fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical e estilístico-pragmático . Esses níveis acontecem em função da natureza espacial do individuo, são caracterizados pelos falares regionais: gaúcho, carioca, caipira, baiano, etc.
O nível fonético-fonológico acontece quando uma palavra é pronunciada de diversos modos, seja pelo acréscimo, decréscimo ou substituição/troca de um fonema. É o que caracteriza o sotaque. Um exemplo são as palavras titia e oito. No sudeste essas são expressas da seguinte forma: tsitsia e oitu e já no nordeste: titia e oitsu. A diferença é que no sudeste a palatalização acontece no modo tsitsia e no modo titia a pronúncia é feita na posição alveolar com a língua próxima aos dentes e no nordeste a palatalização acontece na forma oitsu, o contrário do fenômeno observado no sudeste. Outro exemplo são as diversas formas de se pronunciar o /r/, como na palavra porta, no dialeto caipira ele é retroflexo e no das metrópoles é pronunciado na região uvular.
O nível morfológico varia quando existem modificações na forma das palavras como, por exemplo, as formas: pegajoso e peguento, esses termos expressam a mesma idéia, porém são construídos com sufixos diferentes (BAGNO, 2007 p. 40).
A variação sintática se dá quando existem diferenças como no caso das concordâncias verbal e nominal, e também na posição dos termos na construção de uma frase. Como exemplo pode-se citar a expressão dê-me um cigarro usado em Portugal, e me dá um cigarro, falada no Brasil. Para exemplificar também pode ser citado o modo como o povo caipira constrói a negativa: não vai ninguém não ou nem vou aparecer, onde se pode constatar a presença de mais de uma partícula negativa na mesma frase.
O semântico é notado quando o significado e/ou o sentido de uma palavra varia em regiões diferentes, ou seja, o termo é o mesmo o que modifica é o seu significado. A ocorrência dessa variação depende de quem fala, para quem fala, onde e quando a fala acontece. A palavra ata é um exemplo desse tipo de variação, pois ela pode designar uma fruta ou um tipo de ofício; outra palavra nesse sentido é vexame que pode ser vergonha ou pressa. Essa variação depende, sobretudo, da origem regional do falante.
Já a variação lexical é a mudança de termos para designar um mesmo objeto. As palavras mandioca, macaxeira, aipim são empregadas para designar o mesmo tubérculo; as expressões guri, menino e moleque são utilizadas para designar uma criança do sexo masculino; o que é conhecido como abóbora em algumas regiões é chamado de jerimum em outras; e a palavra cacete que no sul é usada para pão e no sudeste para porrete.
Por fim, a variação estilístico-pragmática está ligada ao grau de maior ou menor formalidade do ambiente e da intimidade entre os interlocutores, podendo ser utilizada pelo mesmo indivíduo em situações distintas de interação. As expressões ‘por favor, abram o livro’, ‘abre o livro logo!’ e ‘vamos abrir o livro, gente’ correspondem ao mesmo ato, porém são empregadas em situações diferentes de interação social.
Através dessa análise pode-se constatar que, como afirma Marcos Bagno (1999, p.47): “Não existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja intrinsecamente ‘melhor’, ‘mais pura’, ‘mais bonita’, ‘mais correta’ que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam”.
Contudo, o problema está no fato de existirem pessoas que possuem um grau de escolaridade mais elevado e com um poder aquisitivo maior que consideram um determinado modo de falar como o “correto”, não levando em consideração essas variações que ocorrem na língua. Porém, o senso lingüístico diz que não há variação superior à outra, e isso acontece porque como diz Bagno (1999, p.18): “O fato de no Brasil o português ser a língua da imensa maioria da população não implica automaticamente, que esse português seja um bloco compacto, coeso e homogêneo”. O falante não é obrigado a usar determinado modo de falar apenas porque algumas pessoas, ditas importantes, o consideram como sendo o melhor, pois as variações são mudanças naturais da língua e não são exclusivas da língua portuguesa, todas as línguas possuem suas variedades, dependendo da origem e do objetivo do falante ao se expressar.
Essas mudanças e variações não são controladas pelo falante, elas ocorrem no inconsciente, em função de diversos fatores, dependendo do meio em que a pessoa convive ela fala de uma determinada forma, porém se o indivíduo convive em um meio onde existe diversos falares, ela apreende inconscientemente o falar de todas, ou pelo menos, algumas expressões. É algo além da capacidade puramente racional do indivíduo.
3 - Metodologia da Pesquisa
Os dados analisados neste trabalho foram coletados na cidade de São Sebastião – DF. A comunidade de fala escolhida é originária da cidade Manaíra no Estado da Paraíba. Alguns desses falantes moram no Distrito Federal há algum tempo, e outros vieram há pouco. Essa comunidade é composta por pessoas da mesma família, que possuem um convívio diário, pois em sua maioria moram perto uns dos outros.
Para melhor compreensão do contexto da pesquisa, faz-se necessária uma abordagem sobre o que vem a ser uma pesquisa etnográfica, posteriormente expõe-se alguns aspectos da cidade de Manaíra – PB, e por fim, um breve relato sobre a origem, formação e contexto da cidade de São Sebastião – DF.


3.1 – A Pesquisa Etnográfica

Primeiramente faz-se necessário, para uma melhor compreensão do trabalho, uma pequena explicação sobre que vem a ser uma pesquisa etnográfica.
O dicionário O Globo traz a seguinte descrição para o termo etnografia: “ciência que tem por objetivo a descrição dos povos, no que concerne às manifestações materiais da sua atividade, tais como a língua, religião, costumes, etc.”. A finalidade da metodologia etnográfica é observar, descrever, interpretar e classificar um determinado ambiente de pesquisa. Essa palavra tem origem em dois radicais gregos: ethnoi que significa ‘os outros’ e graphos que quer dizer ‘escrita’, ‘descrição’.
A etnografia pode ser realizada em um contexto macro ou micro. A pesquisa macro focaliza o estudo de uma sociedade complexa, de múltiplas comunidades. Esse trabalho enquadra-se no contexto micro, pois o trabalho de campo é pequeno, porém realizado em várias situações interativas.
A pesquisa ora apresentada foi realizada com pessoas de uma família, oriundas da cidade de Manaíra no Estado da Paraíba.
Pelo fato da localização desta cidade ser próxima da divisa com o Estado de Pernambuco, há uma interação dessa comunidade com esse Estado, pela facilidade do ir e vir de um para o outro, isso foi constatado pelo relato dos falantes durante as entrevistas.
Essa comunidade de fala foi escolhida em função da intensa convivência que a granduanda tem com esses falantes, é namorada de um dos membros dessa comunidade, que é filho de um dos colaboradores nesta pesquisa, um falante que preserva os costumes e modo de falar de seu Estado de origem, a Paraíba.
Os recursos utilizados na coleta dos dados para a análise foram bloco de papel, caneta e dois gravadores. Os gravadores foram deixados com uma informante que durante seis dias, do dia 8 ao dia 13 de abril, gravou conversas informais dos falantes com quais manteve contato durante esses dias. Como muitas vezes o teor da conversa é bem íntimo, somente dizendo respeito ao ambiente familiar, foram suprimidas partes das conversas.
Nos dias 14 e 15 de abril foram realizadas as entrevistas, nas quais a estudante fazia perguntas aos indivíduos da comunidade sobre aspectos corriqueiros da vida. Geralmente no início da entrevista o falante aparentava certa timidez, talvez pelo fato de saber que sua fala estava sendo gravada, porém com o desenrolar do diálogo eles “se soltavam” mais e deixavam marcas mais características de sua variedade lingüística.
Para a coleta dos dados apresentados também foram utilizadas palavras que fazem parte do contexto dessa comunidade, mas que não aparecem durante as gravações, para isso a estudante fez uso do bloco de papel e caneta. A estudante tem conhecimento desses dados pela convivência que tem com esses falantes, vendo-os as utilizando no seu cotidiano.
As questões que são comuns a todos os entrevistados é o nome, a idade, o grau de escolaridade e há quanto tempo está morando no DF. As respostas a essas perguntas são importantes, pois através delas podemos traçar um perfil desses falantes e conseqüentemente dessa comunidade.


3.2 – A cidade de Manaíra - PB

O nome da cidade, Manaíra, é de origem indígena e significa “seios de mel”. A lenda conta que ele foi escolhido para homenagear uma índia que possuía esse nome. Segundo essa lenda Manaíra estava prometida por seu pai, Boiassu, ao índio Piancó, chefe da tribo Coremas, porém a jovem índia envolveu-se com o colonizador Manoel Curado Garra. Por conseqüência ela foi sacrificada pelo seu pai, em nome do compromisso assumido com Piancó.
Contudo, o que se pode afirmar a respeito da cidade é que ela surgiu de uma pequena fazenda chamada Alagoa Nova, que era propriedade de Manoel Pereira da Silva, que chegou no local no ano de 1840. Instalou-se na cidade como comerciante, dono de uma bolandeira, com a qual classificava o algodão. Também possuía uma espécie de engenho que servia para descaroçar o algodão e preparar a cana para fabricação de rapadura.
As irmãs Catarina e Balbina doaram, em 1889, o terreno onde foi construída a atual Igreja Matriz, dedicada ao Divino Espírito Santo, padroeiro da cidade.
Manaíra está localizada no sertão paraibano, distante 368 km da capita João Pessoa.


3.3 - A cidade de São Sebastião - DF

Antes da construção de Brasília, o local onde atualmente se encontra a cidade de São Sebastião, distante 26 km do Plano Piloto, pertencia as fazenda Taboquinha, Papuda e Cachoeirinha. Porém, a partir de 1957 iniciou a ocupação da área. Nessa época várias olarias se instalaram na região, em terras posteriormente arrendadas através da Fundação Zoobotânica do DF, na época o objetivo era suprir parte da demanda da construção civil por materiais. Com a expiração dos contratos, as olarias foram sendo desativadas e o núcleo urbano foi se estruturando aos poucos ao longo do córrego Mata Grande e Ribeirão Santo Antônio da Papuda, como resultado do parcelamento irregular do solo.
Os moradores mais antigos da região afirmam que a área tem ocupação muito mais antiga, de fazendas remanescentes da época dos escravos. No núcleo antigo podem ser vistos restos de construções atribuídas aos escravos e até mesmo uma cruz de madeira onde supostamente estes escravos teriam sido castigados.
O preço baixo da terra, a falta de regularidade do solo e a beleza do local contribuíram para o crescimento acelerado da cidade. Sua localização privilegiada, que inicialmente atraiu trabalhadores da construção civil e de serviços domésticos, hoje atrai uma população diferenciada.
Em 25 de junho de 1993 a então Agrovila São Sebastião passou a ser a Região Administrativa n° XIV – Cidade São Sebastião (Lei 167/93). A partir daí todos os anos o aniversário da cidade é comemorado nesta data.
O levantamento de 2000 mostra uma população com cerca de 48.918 moradores. As classes que se dividiam eram as seguintes:
· Sexo: homens 25.557 / mulheres 23.361.
· Idade: 0-10 anos: 11.960; 10-19 anos: 8.717; 20-29 anos: 12.824; 30-39 anos: 8.833; 40-49 anos: 3.671; 50-59 anos: 1.793; 60-69: 716; 70-79 anos: 289; acima de 80 anos: 116.
· Nível de escolaridade: 8,48% são analfabetos; 19,22% sabem ler e escrever; 2,69% pré-escola; 37,10% 1º grau incompleto; 4,49% 1º grau completo; 4,51% 2º grau incompleto; 4,10% 2º grau completo; 0,51% Superior incompleto; 0,25% Superior completo; 0,09% Pós-graduação; 18,56% menores de sete anos que estão fora da escola.
· Naturalidade da população: 0,82% do Norte; 0,46% do Sul; 16,88% do Sudeste; 38,24% do Nordeste; 42,10% do Centro-Oeste; 0,07 % são estrangeiros.
· Renda familiar: até dois salários mínimos (SM): 18,87%; de 2 a 10 SM: 72,43%; 10 – 25 SM 7,50%; 25 – 40 SM 0,56%; acima de 40 SM 0,64%.
Como se pode perceber a cidade de São Sebastião é composta, em sua maioria, por pessoas com baixo grau de escolaridade e jovens.
As falas analisadas são de pessoas provenientes do Estado da Paraíba, 1,89% da população desta cidade é nascida neste estado. Serão observadas as variantes utilizadas no nível fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical e estilístico-pragmático desses falantes.


3.4 – A comunidade analisada

As pessoas que contribuíram para a realização desse trabalho são todas provenientes da cidade de Manaíra no Estado da Paraíba e fazem parte de uma mesma família. Todos os falantes moram relativamente perto e a família é numerosa. Esse provavelmente é um dos motivos pelo qual essa comunidade preservou o falar característico de seu estado de origem e várias expressões, também existe o fato que essa comunidade inventa palavras novas ou utiliza alguns termos em um contexto diferente do normalmente encontrado. Outro fator que pode ser levado em consideração é o fato de frequentemente virem pessoas da cidade da Manaíra a passeio em São Sebastião. Fato interessante é que nessa comunidade o contato lingüístico é em sua maioria entre esses falantes, motivo considerado como o principal para a preservação de suas origens.
Para a realização desse trabalho foram usadas gravações de conversas informais, entrevistas e anotação de palavras e frases usadas com freqüência nessa comunidade. As conversas informais foram transcritas em parte, pois o teor das mesmas, em sua maioria, era de caráter pessoal, então a não utilização se dá em função de se preservar a intimidade dos falantes-colaboradores.
Para essa análise foram utilizadas falas de cinco componentes desta comunidade. O primeiro foi o Sr. L.G., 75 anos, não alfabetizado, que mora no Distrito Federal há, em média, 20 anos. O segundo informante é o Sr. S.G.D., 51 anos, primeiro grau completo, apesar de na entrevista ele informar que está no Distrito Federal há 46 anos, pelos dados informados foi constatado que faz 37 anos que ele reside na capital federal. A terceira colaboradora é a Sr.ª M.S.S., 50 anos, nível superior completo em História, há um ano está morando na cidade de São Sebastião. O outro informante é o Sr. N.F.S., 32 anos, estudou até a 3ª série do primeiro grau, e está no Distrito Federal há 17 anos. Os dados da Senhora E não foram informados, pois a transcrição de sua fala foi realizada a partir de uma conversa informal.



















4 – Análise dos Dados

Os dados coletados são analisados de acordo com os níveis de variação: fonético-fonológica, morfossintática, semântica, lexical e estilístico-pragmática. Contudo as ocorrências acontecem simultaneamente no processo de produção oral, pois o falante não se apercebe da ocorrência desses fenômenos. Esses fenômenos ocorrem porque a língua é algo vivo em constante transformação, e pelo poder criativo do ser humano.
Essa análise é feita em conformidade com Stella Maris Bortoni-Ricardo (2004) e Dermeval da Hora (2004). Os níveis de variação seguem a classificação feita por Marcos Bagno (2007).
As informações serão analisadas de acordo com o fenômeno, e os exemplos serão apresentados conforme o falante que fez uso do mesmo.


4.1 – Variação Fonético-fonológica

A variação fonético-fonológica é caracterizada pelas diferentes maneiras que uma palavra pode ser pronunciada, seja pelo acréscimo, decréscimo ou substituição de algum fonema.

4.1.1 - Processo de monotongação

No processo de monotongação ocorre o apagamento do glide (semi-vogais /j/ e /w/) em ditongos orais crescentes. Há uma redução do ditongo em uma vogal simples, o monotongo, através de um processo de assimilação.

Senhor L.G.
§ ... venceu o contrato aí eu entrei na.. na.. na.. na ôtra...
§ ... a gente já tava trabaiando lá no CNPQ e entrô...
§ ... e entrô ôtra firma aí...
§ ... adueceu foi pa São Paulo passô um bucado de tempo lá duente..
§ ... você paga meu dinhêro ô eu lhe mato...
§ ... interô os oitenta mil...
§ ... mandô todo mundo imbora e dinhêro pa pagá cadê? ...
§ ... ficô vendeno as coisa... vendeno.. vendeno.. vendeno um bucado de coisa...
§ ... teve uns ôtro lá que pegô a caminha e levô lá pu escritório...
§ ... levô pra lá e dixe...
§ ... ô eu vô dizê a você...
§ ...tava todo mêis depositano dinhêro no banco...
§ ... guardano só o dinhêro...
§ ... não teve jêto de reforma mai não...
§ ... ieu não passei mai poique a firma abriu falênça...
§ ... o F quano chegô a firma véia tava baxa...
§ ... aí a firma foi abaxo...

Senhor S.D.
§ ... agora você me apertô...
§ ... a churrasquêra era duas telha no chão...
§ ... eu tô cum calô...
§ ... tem muitos anos que eu tô aqui em Brasília...
§ ... tem ôtros que reín...
§ ... mais ô menu isso...
§ ... praticamente eu sô candango...
§ ... até meu chefe já tentô discubri mais nunca achô não...
§ ... já observô a fala do minêro? ...
§ ... não sei se você já observô isso...
§ ... eu vô começá da roça...
§ ... vô fazê uma roça im tal lugá ali...
§ ... então vô plantá uma roça im tal lugá ali...
§ ... vô grotá uma roça...
§ ... daqueles arqueres que você grotô...
§ ... eu vô larga a casa de farinha e vô falá um pouco de Lampião...
§ ... que nóis ia subino pra caçá cabra ô gado que subia na serra...
§ ... e ele passô num sei quantos dia na mata...
§ ... minha avó que contô...
§ ... vô contá a do exército primêro...
§ ... caçuá prum lado caçuá pro ôtro e os porco dentro...
§ ... eu ia pra fêra mais pai muntado num burro no meio da cangaia...
§ ... aí nóis ia pra fêra tinha que acordá de noite...
§ ... primêro cê faz a derrubada...
§ ... primêro processo cê pega a foice...
§ ... você já vai tirá a madêra para você cercá...
§ ... o vaquêro que ele tem...
§ ... tirá a madêra de dentro...
§ ... aí você vai pegá aquela madêra...
§ ... aí quando é no tempo das primêra chuva...
§ ... vô contá a do exército primêro...
§ ...foi uma série muito baxa.. baxinha...
§ ...existe uma diferença muito grande da fala do goiano pro minêro...
§ ... o fogo da mata fina é um fogo rápido.. rastêro...
§ ... isso num é istória de tretêro não...
§ ... e lá no Nordeste é macaxêra...
§ ... então existe essa diferença da capoêra...

Senhora M.S.S.
· ... aí eu tinha que fazê uma opção ô fazê História.. ô Ciências...
· ... isso.. sô apusentada...
· ... sai recunheceno quano eu tô cunversano...
· ... tem ôtras.. tá entendeno...
· ... nóis chamamos lápis de tinta e o ôtro lápis comum...
· ... aqui apontador lá nóis chamamos lapisêra...

Senhor N.F.S.
§ ... a gente já acustumô aqui a trabalhá e tê um dinhêro...
§ ... notá.. nota um pôco...
§ ... aí quano a gente chega im ôtra cidade igual Brasília...
§ ... às veze eu vô falá uma palavra e tá faltano uma síbala...
§ ... eu vô pra ôtro estado...
§ ... se eu fô querê falá de ôtra manêra...
§ ... eu fiz o tercêro ano..
§ ... a gente já acustumô aqui a trabalhá e tê um dinhêro...
§ ... pra gente tê o dinhêro.. né...

Senhora E.
§ ... hoje eu vô almoçá lá...

Através dos dados expostos acima se pode observar que o processo de monotongação ocorre:
1. Na conjugação da 3ª pessoa do pretérito do indicativo: entrou /entrô/, passou /passô/, inteirou /interô/, mandou /mandô/, ficou /ficô/, pegou /pegô/, levou /levô/, apertou /apertô/, tentou /tentô/, achou /achô/, grotou /grotô/, contou /contô/, acostumou /acustumô/.
2. Na 1ª pessoa do presente do indicativo: vou /vô/, estou /tô/, sou /sô/.
3. Nos ditongos /ou/ das palavras: outra /ôtra/, outras /ôtras/, outro /ôtro/ e pouco /pôco/ e outros /ôtros/.
4. Nos encontros vocálicos formados por a+i, há uma supressão da vogal -i: falencia /falênça/, baixa /baxa/, baixinha /baxinha/, abaixo /abaxo/.
5. Nos ditongos /ei/ dos paroxítonos: dinheiro /dinhêro/, inteirou /intêrô/, primeiro /primêro/, feira /fêra/, madeira /madêra/, vaqueiro /vaquêro/, primeira /primêra/, lapiseira /lapisêra/, jeito /jêto/, mineiro /minêro/, maneira /manêra/, terceiro /tercêro/, rasteiro /rastêro/, treteiro /tretêro/, macaxeira /macaxêra/, churrasqueira /churrasquêra/ capoeira /capoêra/.

Também pôde ser observado que o fator grau de escolaridade e idade não influenciou para a ocorrência, ou não, do fenômeno lingüístico apresentado, pois todos os falantes independentemente destes fatores fizeram uso da monotongação nos termos apresentados, a única exceção que foi constatada foi a palavra jeito que apenas o falante L.G. fez a monotongação /jêto/, essa ocorrência não foi observada na fala do Sr. N.F.S. que fez igualmente uso da mesma: ‘...você tem que se comunicá do seu jeito...’.
Importante citar que segundo Bortoni-Ricardo (2004) a monotongação está se tornando uma marca gradual, ou seja, utilizada por todas as variedades da língua portuguesa no Brasil.
4.1.2 – Processo de ditongação

No processo de ditongação acontece um acréscimo do glide anterior, em contexto de sibilante (/s/ e /z/).

Senhor L.G.
§ ... só trabaiei dois ano e sete mêis nela...
§ ... a fia dele tava.. namorano lá cum um rapaiz e...
§ ... e tava todo mêis depositano dinhero no banco...
§ ... o F foi em cima do rapaiz...
§ ... ele foi pro pai do rapaiz...

Senhora E.
§ ... falei V faiz uma comida bem gostosa...

Senhor S.D.
· ... antes do inverno uns trêis quatro mêis...
· ... ela queima aproximadamente deiz quinze centímetro...
· ... lá a maioria das pessoas tem é deiz.. doze.. quinze pessoa trabalhano na roça...
· ... que não tinha luiz...
· ... essa região que nóis morava na Paraíba...
· ... que nóis ia subino pra caçá...

Senhora M.S.S.
· ... quando a gente termina os trêis ano que é do segundo grau...
· ... purquê.. purquê tinha trêis curso...
· ... eu acho bunito.. a fala de vocêis por aqui...
· ... apesá que eu acho a voz de vocêis bunita aqui...
· ... a caneta que vocêis chama aqui nóis chamamos lápis de tinta...
· ... tem o tom de voiz correto...
· ... o portuguêis mais correto...
· ... aqui apontador lá nóis chamamos lapisêra...

Senhor N.F.S
· ... só uma veiz de quano eu vim de lá pra cá.. eu só fui lá uma veiz...
· ... nóis que somo de lá mermo...
· ... nóis fala lá e num vê diferença ninhuma...
· ... mais entenda assim...
· ... mais num precisa não...

O processo de ditongação ocorreu na junção dos sons: -as, -az, -es,-ez, -os, -oz, -uz.
Ocorrências:
· -as: a conjunção mas /mais/.
· -az: rapaz /rapaiz/ faz /faiz/.
· -es: vocês /vocêis/, mês /mêis/, três /trêis/, português /portuguêis/.
· -ez: vez /veiz/, dez /deiz/.
· -os: nós /nóis/.
· -oz: voz /voiz/
· -uz: luz /luiz/.

O fenômeno da ditongação, como o processo de monotongação, foi observado na fala de todos os informantes. Esse processo é considerado uma forma canônica de pronúncia.

4.1.3 – A terminação –ndo no gerúndio e conjunções

Um fenômeno característico desta comunidade é o apagamento da oclusiva dental /d/ no gerúndio e em algumas conjunções, esse fenômeno ocorre em função da assimilação do fonema /d/ pelo fonema /n/ por serem duas oclusivas dentais.

Senhor L.G.
· ... a juiz de fora tava lá trabaiano...
· ... a gente já tava trabaiando lá no CNPQ e entrô...
· ... a fia dele tava.. namorano lá cum um rapaiz e...
· ... tava todo mêis depositano dinhêro no banco...
· ... guardano só o dinhêro...
· ... o F quano chegô a firma véia tava baxa...
· ... pra nada tava acabano tudo...
· ... ficô vendeno as coisa... vendeno.. vendeno.. vendeno um bucado de coisa...

Senhor S.D.
· ... macaco preto.. a pessoa tá dizeno telefone...
· ... ele num sabe o quê que ele tá falano...
· ... derrubano os mato.. derrubano..tirano aquelas madêra...
· ... já põe sabeno que vai cerca...
· ... aí igual eu tava falano...
· ... aquelas mata que vai brotano ela vira adubo...
· ... quinze pessoa trabalhano na roça...
· ... que nóis ia subino pra caçá...
· ... o ixército só pegano nego pela oreia...

Senhora M.S.S.
· ... passano uns dias...
· ... tá entendeno...
· ... sai recunheceno quano eu tô cunversano...
· ... tem ôtras.. tá entendeno...

Senhor N.F.S.
· ... só uma veiz de quano eu vim de lá pra cá...
· ... eu mermo falano comigo assim...
· ... aí quano a gente chega im ôtra cidade igual Brasília...
· ... e tá faltano uma síbala...
· ...você sabeno..assim...

A assimilação dos fonemas /n/ e /d/ foram observados:
1. Na formação do gerúndio: falando /falano/, faltando /faltano/, sabendo /sabeno/, passando /passano/, entendendo/entendeno/, conversando /conversano/, reconhecendo /reconheceno/, trabalhando /trabalhano/, grotando /grotano/, subindo /subino/, pegando /pegano/, dizendo /dizeno/, etc.
2. Na pronúncia da conjunção quando /quano/.
A assimilação dos fonemas /n/ e /d/ na formação do gerúndio ocorreu na fala de todos os falantes, porém em alguns momentos os falantes não fizeram a assimilação por estarem monitorando a interação verbal, variação estilístico-pragmática.

4.1.4 – A preposição para

A preposição para se comporta de três modos diferentes nessa comunidade, isto é, três variantes são utilizadas: para, pra e pa.

Senhor L.G.
· ... num tinha mai jêto pra gente trabaiá...
· ... adueceu foi pa São Paulo...
· ... pra nada tava acabano tudo...
· ... ele foi pro pai do rapaiz...
· ... e dinhero pa pagá cadê? ...
· ... pu lado de Goiânia Formosa...
· ... pegô a caminha e levô lá pu escritório...
· ... levô pra lá e dixe...

Senhora E.
· ... eu fui lá pu morro ontem pa V...
· ... ligô dizendo que vinha né pra lá...

Senhor S.D.
· ... o resto foi pra Paraíba...
· ... é que nem falá inglêis pra eles entendê...
· ... você já vai tirá a madêra para você cercá...
· ... isso é tradição pra iniciá uma roça...
· ... eu ia pra fêra mais pai muntado num burro...
· ... caçuá prum lado caçuá pro ôtro e os porco dentro...
· ... a maioria do povo ia pra rua armado...
· ... existe uma diferença grande de Goiás pra Minas Gerais...
· ... lá na farmácia e compra um cachete pra mim...
· ... como é que faz pra ganhá a vida? ...
· ... do pernambucano pro paraibano...
· ... da fala do goiano pro minêro...
· ... existe uma diferença muito grande do minêro pro Goiás...
· ... que é pra secá...
· ... é pra fazê a cerca pra cercá...
· ... aí vai pra caatinga...
· ... teve que pidi reforço pro exército...
· ... pra nóis sobrevivé? ...
· ... pra í pra fêra.. pra vendê...

Senhora M.S.S.
· ... me colocaram pra mim trabalhá cum matemática...
· ... aí eu achei melhó vim pra cá...
· ... agora eu só pretendo mermo voltá pra lá...
· ... eu vim pra cá e achei que divia...
· ... aí eu achei melhó vim pra cá...
· ... só pretendo mermo voltá pra lá quando meu isposo...
· ... não dá pra mudá tão rápido assim...
· ... muda de estado pra estado...

Senhor N.F.S
· ... só uma veiz de quano eu vim de lá pra cá...
· ... eu saí da Paraíba e vim aqui pra cá...
· ... pra morá é muito bom...
· ... pra gente tê o dinhero...
· ... pra morá não tem não...
· ... eu vô pra ôtro estado...

Com esses dados, pode-se observar que a variante pra foi utilizada por todos os falantes, já a variante pa foi usada apenas por dois falantes: o Sr. L.G. e a Sr.ªE., fato que se repetiu com a forma pu - junção da proposição para com o artigo o, que através de um processo de economia lingüística foi reduzido a pu. Outro fato que pode ser observado é o uso da variante para feito apenas pelo Sr. S.D., assim como a forma prum – junção da preposição para com o artigo um.

4.1.5 – Modificação das vogais médias

As vogais /e/ e /o/ tendem a se modificarem em alguns contextos para os sons altos /i/ e /u/, geralmente por influência do som da vogal anterior, um fenômeno de assimilação, por essa também ser uma vogal alta.

Senhor L.G.
· ... tava acustsumado a trabaiá disisperado...
· ... adueceu o dono da firma...
· ... adueceu foi pa São Paulo passô um bucado de tempo lá duente...
· ... namorano lá cum um rapaiz e...
· ... acho que tinha ricurso...
· ... mandô todo mundo imbora...
· ... passô um bucado de tempo lá duente...

Senhor S.D.
· ... tô cum calô...
· ... até meu chefe já tentô discubri...
· ... um bucado de coisa...
· ... e desacustumei com esse palaviado...
· ... tem que í lá dismatá ela todinha...
· ... cê vai cum a foice lá...
· ... vô fazê uma roça im tal lugá ali...
· ... então vô plantá uma roça im tal lugá ali...
· ... tem que tá cum aquela roça queimada...
· ... e ele iscapuliu do bando de Lampião...
· ... o governadô pidiu reforço...
· ... muntado num burro...
· ... eu tava veno os minino aqui na delegacia cum rôlo...
· ... ia pra rua armado cum ispingarda...
· ... tem o sutaque que é muito difícil esquecer...
· ... os pessoal goiano percebe o sutaque de pernambucano...
· ... eu era piqueno...
· ... a gente chegava na cidade o dia já amanhiceno...

Senhora M.S.S.
· ... pra mim trabalhá cum matemática...
· ... ciências eu não pudia fazê...
· ... purquê eu já estava trabalhando no estado...
· ... purquê purum lado...
· ... purquê tinha trêis curso...
· ... e fiquei trabalhando cum Matemática até minha apusentaduria....
· ... isso.. sô apusentada...
· ... não.. não cunhicia...
· ... divido família..né...
· ... ficá cum a minina...
· ... vô voltá lá agora im julho...
· ... meu isposo terminá o período do trabalho dele...
· ... gente tem um sutaque...
· ... eu acho bunito...
· ... mais lá.. o custume...
· ... purque cunhece logo...
· ... a voz de vocêis bunita aqui...
· ... de certa forma sem muita istrutura...
· ... cumé que se diz...
· ... pur exemplo...
· ... nasce um pezinho aqui e ôtro aculá...

Senhor N.F.S.
· ... cumé que chama...
· ... a gente já acustumô...
· ... cumé que pode dizé...
· ... quano a gente chega im ôtra cidade...
· ... d’eu comunicá cum as pessoa...
· ... a forma do istudo tamem que atrapaía...
· ... o mermo sutaque igual o meu...
· ... aí eu já acho que é o istudo...
· ... não é purque ela é.. paraibana...
· ... num é.. purque.. purque é bem istudado...
· ... nóis fala lá e num vê diferença ninhuma...

As vogais médias /e/ e /o/ sofreram modificação para as vogais /i/ e /u/ respectivamente nos seguintes termos:
· Vogal /e/ para /i/: desesperado /disisperado/, recurso /ricurso/, embora /imbora/, descobrir /discubri/, desmatar /dismatá/, em /im/, escapuliu /iscapuliu/, pediu /pidiu/, espingarda /ispingarda/, conhecia /cunhicia/, devido /divido/, menina /minina/, esposo /isposo/, estrutura /istrutura/, estudo /istudo/, estudado /istudado/, pequeno /piqueno/ nenhuma /ninhuma/, menino /minin/, amanhecendo /amanhiceno/.
· Vogal /o/ para /u/: acostumado /acustsumado/, adoeceu /adueceu/, bocado /bucado/, doente /duente/, com /cum/, montado /muntado/, sotaque /sutaque/, podia /pudia/, porque /purquê/, por um */purum/, aposentadoria /apusentaduria/, aposentada /apusentada/, conhecia /cunhicia/, bonito /bunito/, costume /custume/, conhece /cunhece/, bonita /bunita/, como é */cumé/, por /pur/, acostumou /acustumô/, acolá /aculá/.
As expressões por um e como é foram incluídas juntamente com as outras palavras por serem pronunciadas pelos falantes como sendo um só termo.

4.1.6 – O imperativo

Os imperativos terminados em /e/ tendem a ser pronunciados com a vogal /a/ no final.

Senhor L.G.
· ... olha só o carrapato...
· ... pisa aí em cima...

Senhor S.D.
· ... para de gaguejá...
· ... abre essa janela...

Senhora M.S.S.
· ... bota isso minino...

Foram poucos os usos do imperativo feito pelos falantes-colaboradores, porém nos exemplos apresentados é observada a troca da terminação /e/ pela vogal /a/. A exceção é a frase ‘... abre essa janela...’ pronunciada pelo Sr. S.D., onde houve a troca da terminação /a/ pela vogal /e/.

4.1.7 – A vocalização da lateral palatal /lh/

Nos contextos onde a sílaba é formada com /lh/ há uma tendência na fala dos informantes em substituir o som do /lh/ por /i/.

Senhor L.G.
· ... tava acustsumado a trabaiá disisperado...
· ... tava lá trabaiano...
· ... só trabaiei dois ano e sete mêis nela...
· ... num tinha mai jêto pra gente trabaiá...
· ... a gente já tava trabaiando...
· ... a firma véia tava baxa...

Senhor S.D.
· ... venho uma latinha cum carvão moiado dentro...

As ocorrências em que o /lh/ foi substituído por /i/ foram realizadas em sua maioria pelo Sr. L.G. provavelmente em função do seu grau de escolaridade, não alfabetizado, e sua idade, 75 anos, e por ainda preservar mais características de suas raízes. A ocorrência registrada na fala do Sr. S.D. foi gravada em um momento de conversa informal, ao contrário das outras ocorrências que foram gravadas no momento da entrevista, ou seja, o falante estava consciente da gravação da conversa. Dessa forma, houve a monitoração por parte do segundo falante, Sr. S.D., por pensar que a entrevista é um evento mais formal (BORTONI-RICARDO, 2004).

4.1.8 – Supressão do /r/ pós-vocálico

Há uma tendência dos falantes em questão, a suprimirem o /r/ pós-vocálico, esse fenômeno acontece com maior freqüência na pronúncia dos verbos no infinitivo, no futuro do subjuntivo e nas palavras terminadas em /r/.

Senhor L.G.
· ... tava acustsumado a trabaiá disisperado...
· ... num tinha mai jêto pra gente trabaiá...
· ... ela ia casá cum ele...
· ... se tu subé...
· ... e dinhêro pa pagá cadê? ...
· ... ô eu vô dizê a você...
· ... se você não me pagá eu não saio daqui...

Senhora E.
· ... hoje eu vô almoçá lá...

Senhor S.D.
· ... eu tenho muita vontade de voltá lá...
· ... o modo como ele vai falá é diferente...
· ... meu chefe já tentô discubri...
· ... cê pode prestá atenção.. cê pode presta atenção...
· ... é que nem falá inglêis pra eles entendê...
· ... a pessoa que não entendê.. não conhecê do rádio...
· ... eu vô começá da roça como é que é o processo até chegá...
· ... primêro ele tem que olhá uma terra boa...
· ... tem que í lá dismatá ela todinha...
· ... que é pra secá...
· ... aí vai criá o lugá de cê planta...
· ... vô fazê uma roça im tal lugá ali...
· ... se fô um lugá fechado...
· ... você já vai tirá a madêra para você cercá...
· ... então vô plantá uma roça im tal lugá ali...
· ... vô grotá uma roça...
· ... depois tem que tirá nas costa...
· ... aí você vai pegá aquela madêra...
· ... cavá os buraco...
· ... cercá aquela roça todinha...
· ... cê tem que tá cum aquela roça queimada...
· ... já no ponto de cê plantá...
· ... se fô uma região...
· ... isso é tradição pra iniciá uma roça...
· ... tem que tê muita gente pra limpá...
· ... que nóis ia subino pra caçá cabra ô gado...
· ... a mãe dele tava dano de mamá ele...
· ... aí a mãe de pai dava de mamá pai im cima da serra...
· ... pra nóis sobrevivé? ...
· ... tinha que acordá de noite...
· ... nóis tinha que pegá eles e piá...
· ... aí o governadô pidiu reforço pra João Pessoa...

Senhora M.S.S.
· ... pra mim trabalhá cum matemática...
· ... aí eu tinha que fazê uma opção ô fazê História...
· ... eu tinha que assistí aula direto...
· ... aí eu achei melhó vim pra cá...
· ... só passiá...
· ... ficá cum a minina...
· ... vô voltá lá agora im julho...
· ... quando meu isposo terminá o período do trabalho dele...
· ... eu sabia que ela não ia entendê o que era...
· ... com o passá do tempo a pessoa pode se adaptá...
· ... apesá que eu acho a voz de vocêis...
· ... apesá de que eu acho assim...

Senhor N.F.S.
· ... pra morá não tem não...
· ... a gente já acustumô aqui a trabalhá e tê um dinhêro...
· ... notá.. nota um pôco...
· ... vamo supô...
· ... cumé que pode dizé...
· ... a forma de falá...
· ... às veze eu vô falá uma palavra e tá faltano uma síbala...
· ... a palavra vamo supô tá errada...
· ... se eu fô querê falá de ôtra manêra...
· ... quem tem o estudo bem melhó tem a forma melhó de falá...

1 - Verbos no infinitivo:
· 1ª conjugação: trabalhar /trabaiá/, casar /casá/, pagar /pagá/, almoçar /almoçá/, voltar /voltá/, falar /falá/, prestar /prestá/, começar /começá/, chegar /chegá/, olhar /olhá/, desmatar /dismatá/, secar /secá/, criar /criá/, tirar /tirá/, cercar /cercá/, grotar /grotá/, pegar /pegá/, cavar /cavá/, estar /tá/, plantar /plantá/, iniciar /iniciá/, caçar /caçá/, mamar /mamá/, acordar /acordá/, passear /passiá/, terminar /terminá/, adaptar /adaptá/, passar /passá/, morar /morá/, notar /notá/.
· 2ª conjugação: dizer /dizê/, entender /entendê/, conhecer /conhecê/, fazer /fazê/, ter /tê/, sobreviver /sobrevivê/, supor /supô/, querer /querê/.
· 3ª conjugação: descobrir /discubrí/, assistir /assistí/.
2 - Verbo no subjuntivo: for /fô/, souber /subé/.
3 - Outras palavras: apesar /apesá/, lugar /lugá/, melhor /melhó/ governador /governadô/.

Apesar de existir a supressão do final /r/ nos lexemas o som final da vogal pode variar, sendo aberto para as vogal /a/ e para o subjuntivo do verbo saber: souber /subé/ e para a palavra melhor /melhó/. Já para os verbos da 2ª conjugação e para o subjuntivo do ver ir: for /fô/ e no final da palavra governador /governadô/ o som é fechado.
Por meio do que foi pesquisado, em especial Botoni-Ricardo (2004), pode-se afirmar que a supressão do infinitivo está se tornando de uso comum entre os falantes de diversas variedades lingüísticas e diferentes níveis de letramento. Portanto, esse tipo de supressão pode ser considerado um traço gradual na língua.

4.1.9 – Substituição da terminação –/am/ pela /um/.

Na conjugação dos verbos na 3ª pessoa do plural e do singular, há, em alguns casos, uma substituição do final /am/ pelo /um/.

Senhor L.G.
· ... aí eles saírum os dois...
· ... pegarum.. sabe o que é que eles fizerum?...
· ... pegarum e tava todo mêis depositano dinhero no banco...
· ... sabe quanto eles depositarum no banco? ...

Senhor S.D.
§ ... eles incherum essas caçamba tudin de arma...
§ ... o carvão que pediru lá...

Senhora M.S.S.
· ... aí os diretores já me colocarum como professora de Matemática...

A mudança da terminação /am/ pela /um/ foi observada na fala de três informantes, em especial na fala do Sr. L.G. Em relação à falante M.S.S. a hipótese da ocorrência do fenômeno é o fato da mesma residir há pouco tempo no Distrito Federal, preservando assim mais características da fala de seu estado de origem e pela amistosidade da conversa nesta altura da entrevista. Esse motivo provavelmente seja o mesmo para o fenômeno haver ocorrido com o Sr. S.D. Em se tratando do Sr. L.G., provavelmente essa substituição ocorreu pelos mesmos fatores do fenômeno da vocalização palatal /lh/, grau de escolaridade e idade.

4.1.10 – A variação da partícula negativa não

Há várias variantes para a partícula negativa não.

Senhor L.G.
· ... num tinha mai jêto...
· ... num tinha mai lenha...
· ... e fichei na firma na limpeza né...
· ... mai é como se diz né...
· ... acho que tinha ricurso né...

Senhora E.
· ... ligô dizendo que vinha né pra lá...

Senhor S.D.
· ... isso num caba não...
· ... como é que eles fala.. é... /?/.. num sei.. /?/...
· ... não conhecê do rádio ele num sabe...
· ... bota num canto reservado...
· ... de lá não vem alguém assim.. de lá né...
· ... ele tem aquele sutaque que ele fala de lá né...
· ... eles muda né...

Senhora M.S.S.
· ... Letras eu num gostava tanto...
· ... eu chego num local os ôtro pergunta você é de onde...
· ... diferente.. num sabe...
· ... divido família..né...
· ... São Paulo.. né...
· ... vô voltá a passeio.. né...

Senhor N.F.S.
· ... falano comigo assim num tem nenhum tipo de diferença assim não...
· ... tem uma direrençazinha.. né.. mas a gente que é de lá num a gente num tem...
· ... nóis fala lá e num vê diferença ninhuma...
· ... lá é difícil um trabalho.. né.. pra gente tê o dinhero.. né...
· ...na hora de bolá minhas palavra.. né...
· ... mais ô menu assim.. né..a palavra vamo supô tá errada.. num é...
· ... tem muito nordestino que é bem formado mermo.. num é...

Nos exemplos mostrados percebe-se que a partícula negativa não varia para num em alguns contextos. Ela também pode ser encontrada com o verbo ser na 3ª pessoa do singular – né e num é, que corresponde a não é -, usada como uma forma de o locutor buscar a anuência de seu interlocutor. Dessa forma, essa palavra pode ser utilizada como uma expressão de efeito estilístico.

4.1.11 – Outras observações

Houve outras ocorrências, porém com menor intensidade, sendo usadas em sua maioria pelos falantes de forma isolada, uma característica particular em suas falar, fazendo parte de seu idioleto.

Senhor L.G.
· ... mas eu achei bom.. poique...
· ... mai é como se diz né...
· ... ieu não passei mais poique a firma abriu falênça e num tinha mai jêto...
· ... num tinha mai lenha...
· ... levô pra lá e dixe...

Na fala do Sr. L.G. se pode perceber que acontece uma substituição do som uvular /r/ pela vogal alta /i/ na palavra ‘porque’ /poique/. O mesmo fenômeno acontece quando o falante substitui o /s/ por /i/ em ‘mas’ /mai/. Quando o informante usa o pronome pessoal do caso reto na 1ª pessoa ‘eu’ faz um acréscimo da vogal /i/ no início do pronome ‘eu’ /ieu/. Com isso, podemos perceber que há uma preferência pela vogal alta, como já foi citado quando esse tema foi abordado. O falante também faz uma substituição do som /s/ em disse pelo /x/ /dixe/. Esses fenômenos, provavelmente, são característicos do falante pela sua idade, 75 anos e grau de escolaridade, não alfabetizado ou uma marca da sua variação regional, diatópica.

Senhor S.D.
· ... aí eu falei não desse modi não tem churrasco não...
· ... tem uns que rai.. tem ôtros que reín.. mais ô menu isso...
· ... derruba as arvres no chão...
· ... güenta.. güenta...
· ... e desacustumei com esse palaviado...
· ... rádio táxi ele usa muito palaviado que a PM usa...
· ... esse palaviado todin...
· ... aí bota seis porquin...
· ... nóis tinha que pegá eles e piá.. tudin...
· ... eles incherum essas caçamba tudin de arma...

No primeiro exemplo o falante substitui o som alto /u/ final da palavra modo por outro som alto /i/. Quando o informante procura demonstrar como é o falar característico de sua região de origem substitui o /v/ por /r/ - /rai/ ‘vai’ e /reín/ ‘vem’. Na palavra ‘árvores’ há uma redução do som vocálico da 2ª sílaba -vo, sendo a pronúncia da palavra /arvres/. Há uma redução do som inicial /a/ átono na palavra ‘agüenta’ /güenta/. No termo ‘palavreado’ há uma supressão do /r/ na vogal –vre, e substituição da vogal média /e/ pela alta /i/ - /palaviado/. Na formação do diminutivo há uma supressão da sílaba /nho/, sendo substituída pelo som nasal /n/: ‘tudinho’ /tudin/, ‘porquinho’ /porquin/.

Senhora M.S.S.
· ... a gente vive lá todo mundo cum aquela merma linguagem
· ... isso mermo..

Senhor N.F.S.
· ... nóis que somo de lá mermo...
· ... tem muitas pessoa que tem o mermo sutaque igual o meu...

A observação que pode ser feita na fala da Srª. M.S.S e do Sr. N.F.S. é o fato de haver uma substituição do som /s/ pelo som /r/ nas palavras ‘mesma’ /merma/ e ‘mesmo’ /mermo/. Essa característica na fala de ambos pode ter sido preservada como a variante principal para esses termos no inconsciente dos falantes em questão. Essa é uma forma que marca sua identidade, seu falar regional, pertencente a um núcleo ecológico. Por outro lado, esse mesmo fenômeno ocorre na fala de muitas pessoas do Rio de Janeiro.


4.2 – Variação Morfossintática

A variação morfossintática acontece quando na construção das frases o falante varia nas formas das palavras e na construção das sentenças, como no caso das concordâncias verbal e nominal.
Nesta análise, serão observadas as variações que ocorrem na concordância verbal, na concordância nominal e no caso do possuidor e possuído nos pronomes de 1ª e 3ª pessoa do singular.

4.2.1 – Concordância verbal

Durante o uso da língua falada em vários momentos não houve a concordância verbal, conforme encontramos na variedade padrão da língua. Nesses casos apenas o primeiro termo pronome, numeral, etc., possuía a marca de plural.

Senhor L.G.
· ... tava todo mêis depositano dinhêro no banco todos dois tava...

Senhor S.D.
· ... saí era duas hora da madrugada...
· ... eles come um pedaço da corda...
· ... as fala que eles fala lá é completamente diferente...
· ... eles fala onde cê rai...
· ... essa região que nóis morava na Paraíba foi onde Lampião morava...
· ... que nóis ia subino pra caçá cabra ô gado que subia na serra...
· ... todos os pessoal goiano percebe o sutaque de pernambucano...
· ... as fala que eles fala lá é completamente diferente...
· ... se não os bicho entra tudo lá dentro...
· ... os animal da Paraíba é tudo solto não é igual aqui não...

Senhora M.S.S.
· ... olha.. vocêis chama...
· ... vocêis não chama água sanitária...

Senhor N.F.S.
· ... nóis fala lá e num vê diferença ninhuma...

4.2.2 – Concordância nominal

Assim como na concordância verbal em muitos casos, da concordância nominal, o falante fez a marcação de plural apenas no primeiro termo.

Senhor L.G.
· ... trabaiei dois ano e sete mêis nela...
· ... passei vinte ano na...
· ... aí ficô vendeno as coisa...

Senhor S.D.
· ... a churrasquêra era duas telha no chão...
· ... saí era duas hora da madrugada...
· ... eu tinha catorze ano...
· ... morei dois ano lá.. no Pernambuco...
· ... eles têm a tradição daquelas fala deles lá...
· ... todos os pessoal goiano percebe o sutaque de pernambucano...
· ... as fala que eles fala lá é completamente diferente...
· ... tem muitos ano que eu vim de lá...
· ... se não os bicho entra tudo lá dentro...
· ... os animal da Paraíba é tudo solto não é igual aqui não...
· ... aquelas mata que vai brotano...
· ... e ele passô num sei quantos dia na mata...
· ... eu ia mais pai pra fêra muntado nuns burro no meio da cangaia...
· ... os burro tudo era sabido lá...

Senhora M.S.S.
· ... as próprias criança que eu admiro muito aqui...

Senhor N.F.S.
· ... tem dizessete ano já que eu saí da Paraíba...
· ... eu tenho trinta e dois ano...
· ... eu fiz o tercêro ano...
· ... passei só uns dia lá...
· ... trabalho com várias pessoas de vários lugares diferente...
· ... as pessoa que são bem estudada...

Nos casos das concordâncias verbais e nominais, é fato que o falante tende a marcar o primeiro ou apenas alguns termos na frase, ficando subentendido o plural dos outros termos. Segundo Marcos Bagno (2007) através desta constatação se pode deduzir que “existe uma regra por trás dessa construção que diz: marque o plural somente no primeiro elemento do sintagma”, que o restante estará entendido.

4.2.3 – O possuidor e possuído

Na fala de três informantes pôde ser observada a repetição do pronome de 1ª e 3ª pessoa na relação de possuidor e possuído.

Senhor S.D.
· ... a mãe dele tava dano de mamá ele...
· ... aí a mãe de pai dava de mamá pai im cima da serra...

Senhora M.S.S.
· ... me colocaram pra mim trabalhá cum matemática...

Senhor N.F.S.
· ... eu mermo falano comigo assim num tem nenhum tipo de diferença assim não...

No primeiro fragmento do Sr. S.D. houve a repetição do pronome na 3ª pessoa, nesse caso o possuido foi apresentado duas vezes: dele e ele, o mesmo fenômeno acontece na segunda frase do falante, repetição de de pai e pai. Na fala da Sr.ª M.S.S. há a repetição do pronome de 1ª pessoa me e mim. E no fragmento do Sr. N.F.S. ocorre o uso do pronome pessoal do caso reto eu e do caso oblíquo comigo. Uma das hipóteses que pode ser levantada para a ocorrência desse fenômeno é a intenção do locutor em não deixar dúvida ao interlocutor durante a conversa.


4.3 – Variação Semântica

A variação semântica acontece quando há mudança no significado de um termo, ou seja, quando uma palavra é usada em um sentido diferente. Para auxiliar na análise dessas mudanças de significado/sentido, assim como na análise da variação lexical, foi utilizada a edição especial – coisas que o povo diz da revista Jangada Brasil de março de 2004, disponível na internet (o site encontra-se nas Referências) e o Dicionário o Globo (1998). Serão analisadas as expressões conforme ocorreram na interação de cada falante.

Senhor L.G.
· ... eu já tava acustsumado a trabaiá disisperado...
Desesperado, no dicionário, se refere àquele que perdeu a esperança. Porém, no exemplo acima a palavra desesperado quer dizer trabalhar muito, o Sr. L.G. dar a entender que não tem “medo de trabalho”.

· ... e fichei na firma na limpeza né...
Fichar é o ato de anotar em fichar. O falante usou esse termo para dizer que sua carteira foi assinada na empresa, tornando-se assim um funcionário efetivo da mesma, é um modo antigo de se referir a essa ação.

· ... quem que manobrava lá era o Dr. L...
Esse verbo embora seja pouco usado nesse sentido também significa governar, dirigir, no sentido de liderar, e é com esse significado que o falante o utiliza.

· ... aí o F quano chegô a firma véia tava baxa....
A expressão está baixa se refere aos recursos financeiros da empresa que eram escassos.

· ... num tinha mai lenha...
A palavra lenha geralmente refere-se a pedaços de madeira, contudo o falante a utiliza para dizer que a empresa na qual trabalhava não possuía mais recursos financeiros para se manter.

· ... aí a firma foi abaxo...
Abaixo nesse caso quer dizer que a firma faliu, encerrou suas atividades.

· ... não teve jêto de reforma...
A palavra reforma pode se referir a reorganização. Nesse caso o falante a usa nesse sentido, reorganizar para voltar a funcionar.

Senhor S.D.
· ... depois tem que tirá nas costa.. de dentro aqueles garrancho...
Garrancho, dentre outros significados, se refere a arbusto ou ramos tortuoso. E o falante fez uso desse significado pouco utilizado atualmente.

· ... e ele iscapuliu do bando de Lampião...
O termo escapulir está sendo usado como ‘escapar do poder de alguém’, esse sentido está dicionarizado.

Senhora M.S.S.
· ... o vocabulário de lá é /?/ bruto...
Ao afirmar que o vocabulário de seu local de origem é bruto a falante quis dizer que o modo como as pessoas da Paraíba falam é rude, talvez porque essa variedade não tenha sofrido muitas modificações/influências com o passar do tempo.
· ... que a gente usa de custume.. botá.. tá entendeno.. /?/ custuma dizé.. bota isso minino.. lá você diz bota...
O verbo botar significa pôr, colocar, porém é usado geralmente na língua falada.

Senhor N.F.S
· ... na hora de bolá minhas palavra...
Nesse caso existem duas possibilidades para o uso do verbo bolar. Na primeira o falante pode ter feito uma supressão do /ela/ do verbo elaborar e uma substituição do /r/ pelo /l/ sendo a palavra pronunciada /bolá/. Ou o falante fez uso do verbo bolar, não dicionarizado, usado na língua falada, que tem o sentido de pensar.


4.4 – Variação Lexical

A variação lexical ocorre quando um objeto ou ação são designados por termos diferentes.

Senhor S.D.
· ... vai lá na farmácia e compra um cachete pra mim..entendeu...
· ... eles não chama comprimido chama cachete..
Conforme a explicação do próprio falante cachete é o mesmo que comprido.

· ... e aqueles ôtros termos que você inventa qrm, as ocorrência...
O falante faz uso de alguns termos que eram usados quando ele trabalhava com rádio táxi, com o uso contínuo esses termos tornam-se parte da variedade desses falantes. No caso acima as palavras qrm e ocorrência se referem a problema.

· ... xafolengo é um tipo de uma dança xafolengada mais ô menu assim uma mistura....
Outro termo característico desta comunidade é a palavra xafolengo, que segundo o falante é uma dança que mistura vários ritmos, porém durante a interação são atribuídos vários sentidos a essa palavra, como por exemplo, fazer: ‘o que é que você tá xafolengando aí?’= ‘o que você tá fazendo aí?’. Também é usada quando o falante não quer expressar para todos os interlocutores o que ele quer dizer: dizendo a uma pessoa específica: ‘eu fui resolver aquele xafolengo’, determinada providência da qual apenas o locutor e o interlocutor específicos têm conhecimento.

· ... é grotá que chama.. grotá qué dizé fazê a derruba...
Na linguagem rural, ao recordar da vida no interior da Paraíba, o falante usa o verbo ‘grotar’ que se refere à derrubada das árvores em uma região onde será feito o plantio.

· ... é que nem sandália né.. que o Sr. L chama de precata...
Na linguagem do interior da Paraíba precata se refere à sandália, chinelo.

· ... ficá na labuta...
Labuta é lida, trabalhar penosamente, esse termo está dicionarizado, porém utilizado com mais freqüência na variedade rural. Na variedade de São Paulo o termo usado para designar essa ação é trabuta.

· ... então existe essa diferença da capoêra.. da mata mais fina.. do fogo da capoêra...
Na região de onde esse falante é originário existe a mata fechada e a mata fina que é a capoeira. Na mata fechada quando é feita a queimada para o plantio, o fogo queima as sementes do mato então ele não nasce facilmente. Já na capoeira o fogo passa rápido e deixa a semente por baixo da terra, com isso o mato cresce rapidamente. Segundo a revistga Jangada Brasil esse termo também se refere a roça velha, abandonada.

· ... no Goiás eles chama aqui é mandioca.. né.. e lá no Nordeste é macaxêra...
A palavra macaxeira se refere ao mesmo tubérculo que também é conhecido pelo nome de mandioca e aipim. Esse termo tem sua origem na língua Tupi.

· ... eu ia mais pai pra fêra muntado nuns burro no meio da cangaia...
A cangaia é um tipo sela, onde são presos dois cestos para transportar carga.

· ... caçuá é um bicho grande.. desse tamanho cabe seis porquin dentro...
Caçuá são os cestos amarrados à cangaia, onde é depositada a carga.


· ... acordava duas hora da madrugada pra piá esse porco...
Piá se refere ao ato de amarrar as patas do animal para que assim ele não fuja. No Estado do Rio de Janeiro, segundo a revista Jangada Brasil, esse termo refere-se à conversa, discurso convincente. E para o catarinense diz respeito a guri, moleque.

· ... cum a lamparina.. cum o candiêro...
Candeeiro é um termo arcaico que corresponde à lamparina.

· ... quando a gente via era o ixército só pegano nêgo pela oreia...
A expressão ‘pegar nego pela orelha’ quer dizer abordar um indivíduo, surpreender.

· ... uma caçamba grande.. eu lembro até hoje.. uma caçamba verdinha...
No dicionário caçamba diz respeito à balde ou veículo velho. Contudo, ao usar essa palavra o falante estava se referindo ao caminhão no qual os soldados guardavam as armas apreendidas em suas abordagens.

· ... isso num é istória de tretêro não...
No mundo cabloclo essa palavra se refere a um contador de tretas, metiroso, conforme a revista Jangada Brasil. Esse termo também pode ser encontrado no Dicionário que a traz no sentido de enganar.

Senhora M.S.S.
· ... mariço.. ela fala água de coco.. lá na Paraíba a gente chama mariço...
Como a falante disse no exemplo acima, ‘mariço’ corresponde à água de coco.

· ... a caneta que vocêis chama aqui nóis chamamos lápis de tinta e o ôtro lápis comum...
Em relação ao fragmento acima se pode constatar que objeto que é usado para escrever é chamado lápis, sendo que apenas existe uma diferença em ele ser “de tinta”, lápis de tinta, ou de grafite, lápis.




· ... aqui apontador lá nóis chamamos lapisêra...
O significado que o dicionário traz para lapiseira é: “tubo ou caixa em que se metem lápis”, e a lapiseira (apontador) armazena pontas e madeira do lápis, como a lapiseira (lapiseira) que guarda o grafite, nesse caso lápis.

Também existem outros termos e expressões usados nessa comunidade que não foram citados durante as gravações, dentre eles estão: madorna, botar marcha, choferar, laigadinha.
A palavra ‘madorna’ se refere ao ato de dormir: ‘fulano tá na madorna’ corresponde a ‘fulano tá dormindo’. A expressão ‘botar marcha’ é usada quando se quer apressar alguém para terminar algum trabalho: ‘bota marcha nisso logo’, ‘anda logo com isso’. O verbo ‘choferar’ geralmente é usado no sentido de liderar, controlar: ‘quem tava choferando na churraqueira era S.’, quem estava cuidando, liderando. E a palavra ‘laigadinha’ quer dizer um pouco, um pedaço de alguma coisa, geralmente é usada quando se faz um pedido: ‘me dá uma laigadinha desse doce’, ‘me dá um pedacinho desse doce’.


4.5 – Variação Estilístico-pragmática

A variação estilístico-pragmática observa o grau de monitoramento, formalidade que o falante utiliza no momento da interação, como ele escolhe a variedade que melhor será aceita no instante da fala. Essa escolha depende do momento da interação, do local, de quem é o interlocutor e de qual o objetivo da conversa.
Durante as entrevistas pôde ser observado que os falantes no início, por saberem do objetivo da gravação, e da gravação em si, monitoravam mais seu modo de falar, se auto-corrigindo de acordo com a norma padrão. Contudo, no decorrer da conversa, o diálogo foi tomando um caráter mais informal, mais íntimo. Esse monitoramento somente não foi observado na fala do Sr. L.G., isso provavelmente ocorreu em função do fator idade e do fato que o mesmo parece não ter entendido ou acreditado que sua conversa estava sendo gravada.
Um dos exemplos do grau de mais e menos monitoramento foi o fato que houve alteraração no uso das variedades você, vocêis e cê, durante a conversa. O uso da variedade vocêis foi comum a todos os falantes, pois já é uma marca fonética de quase todas as regiões do Brasil. O mesmo não pode ser dito das variantes você e cê, observada na fala do Sr. S.D. Provavelmente houve essa variação, pois o grau de amistosidade alcançada durante a conversa foi maior, e o diálogo foi mais extenso. Esse fenômeno não foi observado na fala dos outros entrevistados. Fragmento da fala do Sr. S.D.:

... de cê plantá.. primero cê faz a derrubada.. derrubada é grotá que chama.. as derrubada dos mato.. cê vai cum a foice lá.. um o L da vida.. derrubano os mato.. derrubano..tirano aquelas madêra que é pra fazê a cerca pra cercá.. né.. primêro processo cê pega a foice.. você amola a foice.. aí vai pra caatinga.. vô fazê uma roça im tal lugá ali.. aí chega lá você começa.. se fô um lugá fechado.. além de fazê a derruba você já vai tirá a madera para você cercá.. se não os bicho entra tudo lá dentro...

Outra observação que pode ser feita é que, durante a gravação, quando o Sr. S.D. explicava algum acontecimento ou exemplificava algum fato o grau de monitoramento se elevava, pois sua fala ficava mais compassada, provavelmente para ser melhor o entendimento do interlocutor.
O fator timidez também foi decisivo no monitoramento durante as entrevistas, os falantes mostraram-se receosos por seu modo de falar estar sendo exposto e gravado.















5 – Como os falantes vêem a língua

Muitos mitos e preconceios ainda existem em relação à língua. Mas o pior preconceito é o que o próprio falante tem de si mesmo, de seu modo de falar, sua variedade e cultura. Ainda se tem a visão de que a forma correta de falar é que está nas gramáticas e de que para se “falar corretamente” é preciso estudar bastante.
Durante as entrevistas foram feitas algumas perguntas nesse sentido para os falantes-colaboradores. O que eles pensam sobre a questão da língua vale a pena ser ressaltado, para que se possa refletir sobre esse fenômeno que é a auto-discriminação e para que assim se possa buscar alternativas para que o falante ativo da língua, o verdadeiro possuidor da “gramática do Português” não se condene por não conhecer todas as regras da norma padrão de nosso idioma. Serão analisadas as falas de cada falante separadamente.

· Senhor S.D.

A primeira pergunta para o Sr. S.D. - falante de 51 anos, 1º grau completo, residente no Distrito Federal há 37 anos - foi se ele nota alguma diferença no modo de falar do paraibano para a pessoa nascida e residente no DF. A resposta dele foi que é diferente, pois na Paraíba eles têm uma tradição na fala. Afirmou que ele, apesar de haver se mudado de lá há algum tempo, também ‘fala diferente’, porque o sotaque é muito difícil de ser esquecido.
Foi-lhe perguntado se ele considerava o fator convivência como um dos principais na conservação desse sotaque, ele respondeu que sim. Esse fator é considerado como principal, pois como todos os falantes são da mesma família e o convívio entre eles é intenso.
O entrevistado afimou que os goianos, nesse caso goiano pode ser entendido como os que nasceram e/ou vivem há muito tempo no Goiás e Distrito Federal, não possuem sotaque e que logo percebem o modo de falar de pessoas de outras regiões: “...o goiano ele sempre é.. não tem sutaque assim.. já o carioca o paulista o pernambucano todos eles têm...”.
Esse falante considera diferente seu modo de falar porque o sotaque e algumas expressões usadas por ele, e a comunidade de fala analisada, são diferentes das usadas pelos falantes oriundos do Distrito Federal. Essas diferenças são observadas porque, como já foi dito, a língua não é homogênea. Bagno (1998, p. 18) afirma o seguinte em relação a esse assunto: “o fato de no Brasil o português ser a língua da imensa maioria da população não implica, automaticamente, que esse português seja um bloco compacto, coeso e homogêneo”.
O fato de o entrevistado ter falado que os “goianos” não têm sotaque talvez seja pelo fato de a variedade usada pelos falantes dessa região, que mantêm contato com o Sr. L.D., serem falantes de uma variedade aproximada da utilizada na mídia, pois existe um mito que diz que o falar de uma determinada classe, a elite, é a correta. Segundo Bagno (1998, p. 13):

O que vemos é esse preconceito ser alimentado diariamente em programas de televisão e de rádio, em colunas de jonal e revista, em livros e manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, sem fala, é claro, nos intrumentos tradicionais de ensino da língua: a gramática normativa e os livros didáticos

Na verdade todos os modos de falar representam uma variedade, não existe apenas um modo de falar “correto” e/ou “mais bonito”, que deve ser respeitado pelos falantes de outras variedades da língua.

· Senhora M.S.S.

A Sr.ª M.S.S., atualmente com 50 anos de idade, curso superior completo em História, professora aposentada pelo estado da Paraíba que reside na cidade de São Sebastião há 1 ano.
Ao ser questionada sobre as diferenças na fala entre os brasilienses e os paraibanos ela disse que nota muita diferença, disse: “...o tom da voz da gente eles acham que é bem puxado...”, o pronome eles se refere às pessoas do DF, que consideram o falar do paraibano, e do nordestino em geral, ‘arrastado’. Relatou que quando conversa com alguma pessoa da cidade onde está morando, ela logo percebe pelo seu modo de falar sua origem.
Durante a entrevista ao ser indagada se encontrara alguma dificuldade em entender alguma expressão ou palavra no modo de falar do brasiliense, disse que não encontrou nenhuma dificuldade ao se comunicar. Contudo, ressaltou que considera o falar dos moradores desta cidade mais correto e bonito, que aqui as pessoas falam bem, afirmou: “apesá que eu acho a voz de vocêis bunita aqui.. fala bem sabe.. diferente.. num sabe..”
A questão do paradigma de que existe um falar mais correto que o outro fica bem claro quando a entrevistada diz sua opinião a respeito do falar do brasiliense com relação ao do paraibano:

“... eu acho assim que pur emplo.. o portuguêis mais correto.. que lá no nordeste na Paraíba sempre é mais.. é.. é.. de certa forma sem muita istrutura.. cumé que se diz..o vocabulário de lá é /?/ bruto.. o pessoal eles não tem uma didática.. eu acho até assim.. até as próprias criança que eu admiro muito aqui.. pur exemplo.. aqui pur exemplo.. São Paulo.. Brasília.. esses lugares.. é até a própria criança.. eu acho /?/ .. eu acho muito bunito tem o tom de voiz correto...”.

Através dessa afirmação da falante, pode-se notar que existe um preconceito que ela carrega em relação a sua própria variedade. Entretanto, após essa resposta foi levantada a questão de qual seria o fator que influenciava nessa diferença, se seria o grau de escolaridade, a entrevistada afimou que sim, pois em sua opinião o grau de escolaridade das pessoas da Paraíba é inferior ao das pessoas do Distrito Federal. A questão do grau de escolaridade é muito observado por essa falante, pois a mesma exercia a profissão de professora, e já foi constatado que a pessoa possuidora de um grau de escolaridade maior usa com maior freqüência as “regras” da norma padrão. Porém, o falante deve conscientizar-se que para saber uma língua é preciso utilizar com naturalidade as regras básicas de seu funcionamento, pois saber, sengundo Bagno (1998), diz respeito a conhecer intuitivamente.
Por fim, é importante destacar que a falante-colaboradora ressaltou que é importante para a pessoa que está em outro Estado mudar seu modo de falar, adaptando-o ao falar do Estado em que se encontra: “... mais eu acho que tem necessidade de mudá.. purque você convive.. as pessoas acham feio.. riem.. sabe.. é diferente.. tá entendeno...”.
Com essa última frase da Sr.ª M.S.S. se pode perceber que a necessidade de uma mudança no pensamento em relação à língua deve acontecer o mais rápido possível. E esse pensamento está inconscientemente gravado porque os falantes da variedade padrão consideram o falar no nordestino rudimentar, pois os mesmos são vistos como não pertecentes de uma cultura significativa. Sendo considerados, em geral, portadores de um grau de instrução inferior, “mas o que está em jogo aqui não é a língua, mas a pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive” (BAGNO, 1998, p. 45).

· Senhor N.F.S.

O Sr. N.F.S. reside no Distrito Federal há 17 anos, estudou até a 3ª série do Ensino Fundamental, antigo 1º grau, e está com 32 anos de idade.
Durante as questões levantadas em relação à língua, esse falante afirmou que nota diferença entre o seu modo de falar e de outras pessoas de lugares diferentes. Porém, quando ele está falando com pessoas que falam a mesma variedade que ele diz não notar diferença. Mas, pelo que foi dito durante a entrevista se pode constatar que, em sua opinião, a variedade que ele utiliza é diferente das outras, em especial da usada no DF, fica subentendido que esse diferente se relaciona ao termo “errado”. Esse fato está diretamente relacionado com a questão da mídia, que trabalha no insconsciente do falante que seu modo de falar é errado, e do fato do falar do nordestino ser discriminado, como já foi relatado.
O entrevistado considera o nível de escolaridade como um dos fatores para não se fazer uso da norma padrão, chamado “falar correto”, ou seja, quem possui um baixo grau de escolaridade faz menos uso das regras da norma padrão. Também acrescenta o fator leitura como responsável por esse fenômeno, quem lê mais conhece melhor a língua. Ele considera que o indivíduo que possui um grau de escolaridade mais elevado fala as palavras corretamente, como ele mesmo disse “com todas as sibalas” (na palavra sílaba o falante inverteu a ordem das consoantes /l/ e /b//). Ele afirma: “é a forma do istudo tamem que atrapaía..você sabeno..assim..as../?/..fica mais fácil..né você sabeno lê fica mais fácil de juntá as letra e fala a palavra certa”.
Apesar de considerar o grau de instrução muito importante esse falante não concorda com o fato de as pessoas mudarem seu modo de falar, sotaque, pelo fato de morar em um lugar que utiliza uma variedade diferente da utilzada por ele: “você tem que se comunicá do seu jeito.. né.. eu penso isso assim.. porque às vezes eu mermo.. se eu fô querê falá de ôtra manera que.. /?/.. se fô falá de ôtra forma vai sê mais difícil ainda d’eu comunicá cum as pessoa.”
Pelas respostas dos entrevistados, percebe-se que ainda existe muito preconceito em relação ao modo de falar das pessoas, as variedades que elas utilizam e isso “está ligado em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa[3]” (BAGNO, 1998, p. 9). Agora cabe aos educadores e a mídia desmistificar esses (pre)conceitos tão comuns em nossa sociedade.





6 - Considerações Finais
Ao final deste trabalho fica evidente que a língua está mudando, melhor que muitas realizações ditas como sendo as ‘corretas’, segundo a Gramática Tradicional, já estão em desuso pelo falante ativo da língua. E essa mudança não vai parar por aí, pois a língua é usada por indivíduos que estão em constante transformação e pelo fato de cada grupo social ser diferente um do outro. É por isso que Marcos Bagno (1998, p. 55) afirma categoricamente: “é na língua falada que ocorrem as mudanças e as variações que incessantemente vão transformando a língua”. Outra evidência que pode ser constatada é a diferença entre a língua falada e a língua escrita. Os fenômenos de monotongação, ditongação, as concordâncias verbal e nominal, etc. não ocorrem, normalmente, na língua escrita, é uma característica da linguagem oral.
Com a realização desta análise pôde ser confirmada a necessidade que se tem de conhecer e entender as diversas variedades da nossa língua, para que assim os preconceitos e paradigmas que são postos, em relação a ela, sejam desmistificados. Preconceitos como o que diz que determinado modo de falar é mais bonito, mais elegante que outro, que as realizações de fala dos indivíduos menos favorecidos financeiramente é ‘pobre’ e ‘errada’. Esses preconceitos vivem no inconsciente do falante, como foi observado no relato dos entrevistados. Eles vêem sua variedade como sendo diferente das outras e não sendo tão “bonita” quanto a variedade lingüistica dos falantes do Distrito Federal.
Por isso, esse modo de pensar deve ser banido de nossa sociedade e esse trabalho precisa ser iniciado na escola, pois esta é a maior promotora desses preconceitos ao valorizar apenas a “língua das gramáticas”, que é somente mais uma das inúmeras variedades do nosso velho e bom Português. Ao conscientizar os estudantes da existência da variação lingüística, além de quebrar com esses paradigmas, o professor também ajuda a resgatar uma das formas de expressão cultural de seus Estados de origem, pois a língua é uma característica cultural, uma marca, que o indivíduo traz consigo.
A questão do monitoramento igualmente deve ser destacada, os falantes no início da entrevista monitoraram mais seu modo de falar, e após certo grau de intimidade na conversa, o monitoramento foi menor. Porém, continuou havendo esse monitoramento em toda a entrevista, pois os falantes estavam conscientes com relação à gravação.
Na fala dessa comunidade observou-se que a maior característica de sua variedade lingüística é a criação de novas palavras e o uso de palavras e expressões em um sentido diferente do normalmente empregado, isto é , a variação semântica e a lexical. Essas variedades são as principais marcas da identidade lingüística desses falantes e é o que os diferencia dos outros grupos lingüísticos.
Outro fator que merece destaque, é o fato que durante as transcrições a entrevistadora pôde observar seu modo de falar e a aproximação que existe entre sua variedade e a variedade dos falantes analisados, dentre os fenômenos pode-se citar a ditongação, a monotongação, o uso da variante cê com relação a você, esses fenômenos podem ser considerados traços graduais da língua portuguesa no Brasil, pois são observados em, praticamente, todas as variedades do idioma.
Essa análise é apenas uma gota nesse imenso mar que é a nosso Português Brasileiro, muitos estudos precisam ser realizados para que cada vez mais se possa conhecer e valorizar nossa língua, com suas variedades, sem esquecer dos indivíduos que a utilizam em todos os momentos de sua vida. Quanto mais se conhecer a própria língua mais se vai amá-la, porque amamos mais aquilo que conhecemos melhor.



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Anexos

Transcrição 1

Relato do Senhor LG

LG: [...] aí assim por diante... mas eu achei bom.. poique.. eu.. eu já tava acustsumado a trabaiá disisperado cheguei.. peguei.. e fichei na firma na limpeza né.. lá na.. na.. na primêra vez eu fichei na juiz de fora foi lá no CNPQ a juiz de fora tava lá trabaiano.. olha só o carrapato LD aí.. pisa aí em cima que pode ser um carrapato.
MC: não é uma formiga.
LG: é? aí eu fichei na juiz de fora né só trabaiei dois ano e sete mêis nela.. aí ela saiu.. é.. venceu o contrato aí eu entrei na.. na.. na.. na ôtra /?/ passei vinte ano na /?/ dela.. mai é como se diz né.. como se diz na vida também... ieu não passei mais poique a firma abriu falênça e num tinha mai jêto pra gente trabaiá... a gente já tava trabaiando lá no CNPQ e entrô.. e entrô ôtra firma aí.. aí quem.. quem que manobrava lá era o Dr. L e a M que era o chefe de lá.. aí eles saírum os dois.. aí pronto.. aí fui obrigado a sai[r].. entreguei fui reprovado... F adueceu o dono da firma.. adueceu foi pa São Paulo passô um bucado de tempo lá duente.. a fia dele tava.. namorano lá cum um rapaiz e.. e.. pegarum.. sabe o que é que eles fizerum? pegarum e tava todo mêis depositano dinhêro no banco todos dois tava .. ela ia casa cum ele.. cum rapaiz.. guardano só o dinhêro.. lá no banco .. aí o F quano chegô a firma véia tava baxa.. num tinha mai lenha e /?/.. pra nada tava acabano tudo... sabe quanto eles depositarum no banco?
LD: hum?
LG: oitenta mil. Se tu subé.. aí o F foi em cima do rapaiz e disse ô você paga meu dinhero ô eu lhe mato.. aí ele foi pro pai do rapaiz.. acho que tinha ricurso né.. interô os oitenta mil e aí teve que saí... aí pronto... aí a firma foi abaxo. Aí eu.. não teve jêto de reforma mai não /?/... aí lá vai.. mandô todo mundo imbora e dinhêro pa pagá cadê? aí fico vendeno as coisa... vendeno.. vendeno.. vendeno um bucado de coisa lá pu lado de Goiânia Formosa [...]

L: [...] Teve uns otro lá que pegô a caminha e levô lá pu escritório.. levô pra lá e dixe ô eu vô dizê a você que se você não me pagá eu não saio daqui [...]


Transcrição 2

Relato da Senhora. M. E. e do Senhor. SD.

E: Hein C eu fui lá pu morro ontem pá V.. falei V faiz uma comida bem gostosa (chiado) que hoje eu vô almoçá lá.. aí eu cheguei lá ela tinha feito um monte de comida...
SD: A churrasquêra era duas telha no chão o carvão que pediru lá.. venho uma latinha cum carvão moiado dentro.. aí eu falei não desse modi não tem churrasco não.. também saí era duas hora da madrugada cum a carninha.
E: Ele ligô.. ligô dizendo que vinha né pra lá.. quando ele chegô lá não tinha mais nem graça [...]


Entrevista 1

Senhor. SD

MC: Primeiro você me fala seu nome completo.
SD: Meu nome é SGD.
MC: Você tem quantos anos?
SD: Eu tenho cinqüenta e.. um anos.
MC: Já esqueceu? É.. e você estudou até que série?
SD: Ah.. e agora você me apertô foi uma série muito baxa.. baxinha.. /?/
MC: Mas você terminou o primeiro grau?
SD: Terminei.
MC: Ah tá.. e tem quanto tempo que você aqui em Brasília?
SD: Tem.. tem quarenta... tem quarenta e seis anos que eu moro em Brasília.
MC: Então você venho pra cá novinho.
SD: Eu tinha catorze ano parece quando eu vim pra Brasília.
MC: Mas antes de vir pra cá você morou só na Paraíba ou morou também em outro lugar?
SD: Não.. morei dois ano lá.. no Pernambuco, o resto foi pra Paraíba.. o lugar é perto um do outro.
MC: /?/
SD: Abre essa janela que dano essa entrevista aqui eu tô cum calô.
MC: [risos]
SD: Foi assim eu vivi a.. passei dois ano no Pernambuco é.. o resto foi na Paraíba e o restante aqui em Brasília praticamente eu sô candango.
MC: Mas.. e.. e.. depois que você chego da Paraíba..
SD: Para de gaguejá tá?
MC: Você voltô lá?
SD: Não nunca voltei lá não... mas eu tenho muita vontade de voltá lá /?/
MC: Mas.. o que você acha de diferente no falar de quem vem da Paraíba...
SD: É diferente.. eles tem a tradição daquelas fala deles lá.. que fala.. até eu falo também.. tenho o sutaque.. /?/.. mas eles tem.. a voz deles é diferente também.. tem o sutaque que é muito difícil esquecer... até a gente mesmo que tem muitos anos que eu tô aqui em Brasília.. não perdi o sutaque.. o sutaque de onde você nasceu.
MC: Mas você acha que é em função de que não se perde o sutaque.. é pela convivência...
SD: é a convivência.. é.. é a convivência.
MC: É convive com muita gente aí acaba pegando.
SD: É
MC: Mas você acha que as pessoas que moram aqui.. você acha que elas notam assim essa diferença quando você fala?
SD: É.. todos os pessoal goiano percebe o sutaque de pernambucano.. baiano.. cada um tem um sutaque diferente a única região que não tem .. é.. é.. um sutaque assim é o goiano.. o goiano ele sempre é.. não tem sutaque assim.. já o carioca o paulista o pernambucano todos eles têm.
MC: Mas.. no caso.. você acha que teve alguma diferença quando você foi da Paraíba pro Pernambuco.. se há alguma diferença do falar do pernambucano pro paraibano?
SD: Existe. O pernambucano.. o sutaque dele é diferente do.. do.. da Paraíba.. mas existe.
MC: Mas qual é a diferença que você vê?
SD: Ah.. a fala.. o sutaque dele falar muda.
MC: O modo como fala.
SD: O modo como ele vai falá é diferente... na Paraíba eles rai muito e reín muito..
MC: Rai?
SD: É. Tem uns que rai.. tem ôtros que reín.. mais ô menu isso... entendeu? Então no sutaque não é muito diferente não mais eles.. é mais diferente.
MC: Ah tá. Mas quais são as expressões que você acha.. que você vê assim.. conforme você vai conversando com as pessoas que vêem de lá.. da sua família.. quais são as expressões que o senhor acha que vão ser características..
SD: De lá?
MC: É. Da Paraíba.
SD: Ah ra.. isso é muito fantástico.. (risos) ô T cadê L? Isso é fantástico.. é.. é.. é difícil até a gente.. de lá não vem alguém assim.. de lá né.. o pessoal de lá que convive aqui são os que já tá aqui há muito tempo é até difícil pegá alguma coisa assim... de lá.. que já tá a muito tempo.. igual E que fala é uma satisfação muito grande tá aqui cum vocêis é muito bom.. ele tem aquele sutaque que ele fala de lá né.. ele fala é original da Paraíba né..
MC: Mas assim.. com relação a aquelas palavras que você fala como xafolengo..
SD: Ah tá.
MC: De onde é que você inventa essas palavras?
SD: Aquilo ali é meio complicado.. foi criado aqui mermo no.. no.. no Centro-oeste aqui no Goiás acho que ninguém nunca discubriu aqui.. até meu chefe já tentô discubri mais nunca achô não /?/.. o significado da palavra xafolengo.. xafolengo é um tipo de uma dança xafolengada mais ô menu assim uma mistura.. é uma mistura da Paraíba cum Pernambuco aí dá um xafolengado.. é uma sacudida.. mais ô menu isso.. teve uma dia que /?/ tava me perguntano sobre isso.. esse tipo de coisa.. aí eu falei ô o pessoal que mexe com música o xafolengo é mais ô menu um batuque é uma mistura entendeu?
MC: Mas no caso quando você fala isso você usa pra diversas coisas..
SD: Exatamente..
MC: É como o.. o goiano usa coisa ou então negócio tudo é ah não aquela coisa.. coisa.. vô coisá.. xafolengo é como se fosse essa coisa né.
SD: Exatamente.
MC: O coisar.
SD: Cê já viu como é que o minero chama corda?
MC: Não.
SD: É coidia.. é coidia eu não conheço não.. eles come um pedaço da corda.. ele não fala corda.. eu falo corda.. o minero já fala é coidia um trem assim diferente você já viu.. já observô a fala do minêro? Existe uma diferença muito grande da fala do goiano pro minêro. É muito diferente o modo deles falá e o nome das coisa.. os nome das coisa eles muda né.. o nome das coisa não é igual o goiano.. não sei se você já observô isso.. existe uma diferença grande de Goiás pra Minas Gerais.
MC: A diferença que eu vejo é que..
SD: Cê pode prestá atenção.. cê pode presta atenção.. existe uma diferença muito grande do minero pro Goiás.. existe... lá no nordeste também tem muitas coisa.. as fala que eles fala lá é completamente diferente onde cê rai.. você diz onde ele vai.. eles fala onde cê rai.. onde ele venho.. onde cê foi... comprimido.. comprimido hoje aqui.. lá eles não chama comprimido chama cachete.. vai lá na farmácia e compra um cachete pra mim..entendeu.. é isso que chama.
MC: É que nem sandália né.. que o Sr. L chama de precata.
SD: Ah isso.. é que já tem muitos ano que eu vim de lá.. e desacustumei com esse palaviado..
MC: Mas quando você escuta você..
SD: Eu sei o que que é..
MC: Na hora você associa ao objeto
SD: É que nem falá inglêis pra eles entendê.. se eles falá lá eu sei o que eles tão falano..
MC: Mas.. no caso então você não usa mas entende.
SD: Entendo.. eu sei o que eles tão falando.
MC: Então o seu inconsciente deve ter gravado /?/.
SD: Isso não acaba não.. esses negócio de tradição do lugar.. de sutaque.. isso num caba não.. e agente.. diminui mermo mais não acaba.
MC: E aqueles ôtros termos que você inventa qrm, as ocorrência.. você tira de onde isso?
SD: Ah isso aí geralmente.. foi quando eu trabalhava.. eu trabalhei usando rádio muito tempo né.. com rádio de... é.. trabalhei muito tempo.. muito tempo.. uns deiz ano com rádio daí que tiro esse palaviado todin.
MC: Na rádio táxi.
SD: Rádio táxi ele usa muito palaviado que a PM usa no rádio.. entendeu.. macaco preto é telefone.. entendeu.. QRA da pessoa é o nome.. cristal é esposa.. entendeu.. um bucado.. tem um monte de palavra.. cê nunca fala no rádio a palavra certa.. igual polícia.. macaco preto.. a pessoa tá dizeno telefone.. é o telefone.. um bucado de coisa.. entende.. geralmente a polícia nunca fala assim a palavra certa.. fala é.. nome de placa de carro.. como é que eles fala.. é... /?/.. num sei.. /?/ nunca fala pur ixemplo.. eles não mistura as coisa.. d.. e.. quando eles tá numa ocorrência da polícia. .cê vê que eu tô notra.. eu tava vendo os minino aqui na delegacia cum rolo.. eu tô falano que eles num fala.. é tudo.. entendeu.. a pessoa que não entendê.. não conhecê do rádio ele num sabe o qu que ele tá falano. [...]

MC: [...] Mais então e lá na Paraíba como é que cê fazia pra ganhá a vida.. o que cê fazia lá.. como é que as pessoas fazem?
SD: Como é que faz pra ganhá a vida?
MC: É
SD: A vida de lá funciona assim.. o cara.. eu vô começá da roça.. no início da roça como é que é o processo até chegá.. primêro ele tem que olhá uma terra boa.. a mata.. tem que í lá dismatá ela todinha.. é grotá que chama.. grotá qué dizé fazê a derruba.. da.. da..
MC: Limpá.
SD: É.. é.. não.. derruba as arvres no chão.. que é pra secá.. quando termina.. a gente pega aquilo tudo e põe fogo.. que aí vai criá o lugá de cê plantá.. primêro cê faz a derrubada.. derrubada é grotá que chama.. as derrubada dos mato.. cê vai cum a foice lá.. um o L da vida.. derrubano os mato.. derrubano..tirano aquelas madêra que é pra fazê a cerca pra cercá.. né.. primêro processo cê pega a foice.. você amola a foice.. aí vai pra caatinga.. vô fazê uma roça im tal lugá ali.. aí chega lá você começa.. se fô um lugá fechado.. além de fazê a derruba você já vai tirá a madêra para você cercá.. se não os bicho entra tudo lá dentro.. que é tudo aberto.. os animal da Paraíba é tudo solto não é igual aqui não.. tá? É tudo solto no meio da rua.
MC: Animal assim.. vaca..
SD: Vaca.. /?/.. bode..tudo.. tudo solto.. então vô plantá uma roça im tal lugá ali.. você tem que í já.. já põe sabeno que vai cercá.. aí você começa.. o que que eu vô fazê.. cê vai dismatá ali... vô grotá uma roça.. é a derrubada que chama grotá.. aí vem grotá aqui ali.. o vaquêro que ele tem.. isso tem um tempo.. né.. também.. antes do inverno uns trêis quatro mêis.. antes do inverno.. que é pra dá tempo dele grotá.. tirá a madêra de dentro.. entendeu.. depois tem que tirá nas costa.. de dentro aqueles garrancho.. tirá aquela madêra todinha.. bota num canto reservado.. que é pra quando você queima.. fazê essa queimada da sua roça.. daqueles arqueres que você grotô.. da derrubada.. aí você vai pegá aquela madera reservada cê vai fazê os buraco.. ficá na labuta.. cavá os buraco.. cercá aquela roça todinha.. entendeu.. aí quando é no tempo das primera chuva.. cê tem que tá cum aquela roça queimada.. entendeu.. toda cercada.. já no ponto de cê plantá.. entendeu.. se fô uma região.. uma mata que seja bem fechada quando cê bota fogo ela queima todinha..
MC: Mais ainda hoje faz isso?
SD: Ainda hoje.. inda hoje.. inda hoje usa isso aí.. isso é tradição pra iniciá uma roça.. /?/ aí igual eu tava falano.. tem as região que ela.. ela é uma mata fina.. ela não queima.. o fogo não é suficiente pra queima aquelas semente de mato.. aí o fogo rápido.. existe uma diferença toda gente sabe disso.. se é uma mata fechada.. do fogo da mata fechada pra mata fina.. o fogo da mata fina é um fogo rápido.. rastêro.. ele vai rápido.. então queima mais dexa a semente sempre prá trás.. ele queima só por cima.. a mata fechada não.. ela queima aproximadamente deiz quinze centímetro de profundidade na terra.. então a temperatura é muito grande.. ela chega a chegá.. a temperatura tão grande naquelas mata que cê põe fogo que ela chega a não criá mato.. você faiz o plantio.. aquelas cinza.. ela virô adubo.. e a semente.. que ia nascé mato quando você capina.. ela é tão forte a temperatura.. chega a uns trinta quarenta centímetro de fundura que queima vira adubo.. aquelas mata que vai brotano ela vira adubo.. esse adubo faz com que a temperatura tão forte da mata que ela não nasce mato.. nasce um pezinho aqui e ôtro aculá.. e o lugar de mata mais fechada.. e ele vem dá melhô a plantação porque a terra fica adubada.. ela queima toda química que tem no mato.. e quando é.. ela era uma mata fina.. quando chega as primêra chuva.. você planta.. mas você tem muito trabalho porque.. porque.. tem que tê muita gente pra limpá.. porque quando as primêra chuva vem.. já nasce uma camada de mato.. porque a semente não queimou.. então existe essa diferença da capoêra.. da mata mais fina.. do fogo da capoêra.. e da mata.. a mata ela queima lá dentro da terra.. uma camada que queima a semente.. então ela ficá lá como um adubo.. não nasce mais.. então existe essa diferença da mata pra capoêra.. e num tem quem dê conta de limpá a capoêra porque o fogo passa pur cima.. e a semente daqueles mato tudin fica.. quando dá as primêra chuva ele nasce.. tem que tá limpano toda semana.. num tem quem tá conta.
MC: Aí é muito trabalho..
SD: Muito trabalho.
MC: Por isso que a família é grande.. né.
SD: Muito grande.. lá a maioria das pessoas tem é deiz.. doze.. quinze pessoa trabalhano na roça.. entendeu..
MC: Mas e a mandioca como é que faz?
SD: A mandioca você tem que plantá ela.. aqui no.. no.. no Centro-oeste aqui no Goiás eles chama aqui é mandioca.. né.. e lá no Nordeste é macaxêra.. e ela tem as divisões da macaxêra pra mandioca.. aqui.. aqui tudo que você vê é mandioca.. aqui ô.. e lá não.. a mandioca de lá.. a macaxêra lá é diferente.. a ôtra mandioca só serve pra farinha.
MC: Aqui a diferença é que tem mandioca braba.. a mandioca e a mandioca braba.
SD: Exatamente.
MC: A mandioca braba a gente não come.
SD: Aqui no Goiás.. eu nem vejo essa diferença.. aqui é tudo misturado.. e lá não macaxêra.. ela é diferente.. a mandioca.. só serve pra fazê farinha.
MC: E se fizé farinha da macaxêra presta?
SD: Presta. Faz farinha também.. muito boa.. ela também presta pra fazê farinha. Lá existe uma casa de farinha.. o meu avô.. o pai do meu pai.. entendeu.. você sabia que o pai do meu pai ele foi.. ele ficô cum Lampião no tempo da guerra.. da revolução.. você sabe né?
MC: Caminhou cum Lampião...
SD: O pai do meu pai era.. era.. era soldado do Lampião.
MC: Andava junto?
SD: É. Ele era do bando de Lampião.. entendeu?
MC: Eu sabia que tinha uma história de Lampião.. mas eu não sabia disso.
SD: Eu vô larga a casa de farinha e vô falá um pouco de Lampião. Lampião.. essa região que nóis morava na Paraíba foi onde Lampião morava..e era lá.. lá em casa.. que nóis ia subino pra caçá cabra ô gado que subia na serra.. aí tinha onde Lampião guardava.. nóis achava casca de bala.. fuzil dele.. cansei de achá em cima daquela serra.. ele só ficava em cima da serra.. porquê que ele ficava em cima da serra.. que lá de cima da serra ele via quem tava lá im baxo.. entendeu.. e Lampião chegava naquelas casa.. naquela época /?/.. então meu avô foi.. e ele iscapuliu do bando de Lampião.. e ele passô num sei quantos dia na mata..
MC: Mas você teve cum Lampião?
SD: Não. Não tive cum Lampião. [...]

SD: [...] Aí meu pai nessa época ele era novo.. a mãe dele tava dano de mamá ele.. então eles tratava a gente.. era conflito de guerra.. aí tinha que escondê im cima da serra.. aí a mãe de pai dava de mamá pai im cima da serra.. isso num é istória de tretero não.. viu.. minha avó que contô.
MC: É verídico?
SD: É. [...]
SD: [...] Aí o governadô pidiu reforço pra João Pessoa.. que era a capital.. que é hoje.. teve que pidi reforço pro exército... o exécito teve que vim cum as tropa.. pra lá.. ficô eu lembro.. que eu era piquenin eu ia mais pai pra fêra muntado nuns burro no meio da cangaia.. sabe o que é cangaia?
MC: Não.
SD: A cangaia é assim.. sabe o que meu pai fazia lá?
MC: O quê?
SD: Pra nóis sobrevivé?
MC: Hum..
SD: Ele comprava porco e vendia. Depois eu conto essa.. vô contá a do exército primêro. [...]

SD: [...] Aí eu lembro que eu ia pra fêra mais pai muntado num burro no meio da cangaia.. caçuá prum lado caçuá pro ôtro e os porco dentro.. ia quatro cinco porco dentro.. ia muntado no meio da cangaia e pai muntado im ôtro.. e eu muntado nesse coiso.
MC: Eu quero sabé o que é caçuá.
SD: É o caçuá.. caçuá é um bicho grande.. desse tamanho cabe seis porquin dentro.
MC: Como se fosse uma cesta?
SD: É. Tipo um cestão.. aí ele tem as alça de corda põe na sela.. entendeu.. aí bota seis porquin dum lado e seis do ôtro.. aí fica o meio.. aí pai me botava no meio daquela carga. E era muito burro.. era dizesseis burro carregado cum isso de porco.
MC: E o burro aguentava isso tudo:
SD: Guenta.. guenta... aí nóis ia pra fêra tinha que acordá de noite.. acordava duas hora da madrugada pra piá esse porco cum a lamparina.. cum o candiêro.. que não tinha luiz.. no iscuro.. os porco tudo solto no chiquero.. nóis tinha que pegá eles e piá.. tudin.. e botá dentro dos caçuá e botá as cela nos burro.. pra í pra fêra.. pra vendê.. entendeu.. aí eu ia mais pai... aí eu ia muntado cuchilano ainda de noite.. eu ia muntado.. pai me botava no meio desses caçuá.. dessa carga.. né.. era muito burro.. os burro tudo era sabido lá.. E conhece onde /?/.. sabe que tinha cangaia tinha porco.. o povo comprava.. era pai e uns primo meu.. o comércio lá era poco.. comprá porco e vendê na fêra.. né E.. vendê bode.. cabrito.. tudo... aí nessa época.. eu ia mais pai.. eu era piqueno.. eu lembro.. aí a gente chegava na cidade o dia já amanhiceno.. aí tocava o jipão do ixército.. dentro daquele mato.. tudo verdin você não via os soldado.. aí eles tomava as arma do pessoal.. a maioria do povo ia pra rua armado cum ispingarda.. faca.. aí eles confundia.. eles não sabia que a gente tava lá.. quando a gente via era o ixército só pegano nego pela oreia.. nas entrada.. né.. onde o pessoal movimentava.. aí tomava as arma.. entendeu.. num predia não.. era só pegano arma mermo.. cum um caminhão lá.. uma caçamba grande.. eu lembro até hoje.. uma caçamba verdinha.. que é tudo verde.. né.. eles ia tomando essas arma e botano dentro dessa caçamba.. durante o tempo que o exército teve lá.. eles incherum essas caçamba tudin de arma.. [...]






Entrevista 2

Senhora M. S. S.

MC: Qual é o seu nome mesmo.. porque eu só sei o seu apelido?
MS: MSS.
MC: Ah.. tá… você tá com quantos anos?
MS: Eu.. quantos anos.. cinqüenta.. tô coroa.
MC: (risos) Não tá novinha ainda.
MS: Menina nova.
MC: Tá voltando a ser criança. E você estudou até quando.. assim?
MS: Estudei até quando.. ano é?
MC: Não.. qual o grau de escolaridade?
MS: Grau de escolaridade.. é.. curso superior.. professora de História.
MC: Você é formada em História.. é.. você formou pela Federal da Paraíba?
MS: Não foi particular.. em universidade particular.
MC: Aí você formou em História..
MS: Hum rum..
MC: E lá na Paraíba você dava aula?
MS: Dava aula.. mas eu me formei.. eu estudei no Pernambuco.. lá na cidade vizinha Serra Talhada.. e eu moro na Paraíba mesmo.. sabe.. aí eu já trabalhava na Paraíba.. mas aconteceu que nem trabalhava dentro da minha área de História.. /?/.. lá eu /?/ e eu como aluna toda vida gostei de matemática.. e por incrível que pareça a diretora.. me colocaram pra mim trabalhá cum matemática.. aí eu trabalhava cum matemática.. trabalhei vinte e treis anos.
MC: Você formou em História mas dava aula de Matemática?
MS: De Matemática.
MC: Mas.. pra qual nível.. segundo grau?
MS: Até a oitava.. primero grau.
MC: Dando aula de Matemática..
MC: /?/
MS: /?/ porque quando sugiu essa faculdade na cidade vizinha.. que é de Pernambuco.. Serra Talhada.. só apareceram três cursos.. era Letras.. Ciências.. e Matemática.. e.. e.. História .. acontece que eu não gostava muito de Letras.. /?/.. aí eu tinha que fazê uma opção ô fazê História.. ô Ciências.. mas acontece que Ciências eu não pudia fazê.. purque eu já estava trabalhando no estado.. tá entendendo.. quando eles.. fiz o magistério.. purque lá na Paraíba a gente tem curso Magistério.. quando a gente termina os trêis ano que é do segundo grau.. o magistério.. aí eu já entrei no estado..tá entendendo.. então eu já entrei com Matemática.. tá entendendo.. purque purum lado eu já gostava muito de Matemática.. aí os diretores já me colocarum como professora de Matemática.. aí eu fiquei..aí eu fui fazê o curso.. quando eu fiz o vestibular eu disse vô ficá cum História.. purque.. purque tinha trêis curso.. Letras eu num gostava tanto /?/.. e Ciências eu tinha que assistí aula direto.. na aula de laboratório.. daí não.. aí fiquei cum História.. aí fiz o curso e trabalho cum Matemática.. e também jogano/?/.. e fiquei trabalhando cum Matemática até minha apusentaduria.
MC: Ah.. você é aposentada agora.
MS: Isso.. sô apusentada.
MC: Ah.. que bom... mas qual motivo que levô você saí da Paraíba pra cá.. foi questão de você conhecé outro lugar ou voê já conhecia aqui antes de mudá pra cá?
MS: Não.. não cunhicia.. foi o seguinte.. divido família..né.. purquê eu tinha uma filha morano aqui já.. passano uns dias.. e eu vim pra cá e achei que divia.. sendo apusentada.. já que meu isposo tá trabalhando bem perto aqui.. São Paulo.. né.. aí eu achei melhó vim pra cá.. ficá cum a minina.. passá uns dias.. gostei muito de Brasília /?/.. eu vim pur causa da minina.
MC: E já tem quanto tempo que você tá aqui?
MS: Um ano.
MC: Um ano..
MS: É.
MC: Nesse um ano você não voltô na Paraíba?
MS: Não voltei.. Vô voltá lá agora im julho.
MC: Im julho?
MS: Im julho.. vô voltá a passeio.. né..
MC: Só passeiá.
MS: Só passiá.. aí eu voltou.. agora eu só pretendo mermo voltá pra lá quando meu isposo terminá o período do trabalho dele.
MC: Ah.. tá.. mas a cidade da Paraíba lá é Manaíra?
MS: É Manaíra.
MC: E lá na Paraíba você morava era na cidade.. né?
MS: E na cidade.
MC: Essa parte de trabalhá na roça.. vida rural no campo.. não?
MS: Não.
MC: /?/
MS: /?/
MC: Assim.. já que você deu aula.. né.. conviveu com muitas pessoas.. tem várias palavras diferentes de quando vem pra cá.. você nota alguma diferença em relação a fala.. ao modo de falá das pessoas da Paraíba com relação as pessoas daqui?
MS: Muita.. diferença muito grande.. a gente tem um sutaque.. primêro o /?/ da gente lá.. o tom da voz da gente eles acham que é bem puxado.. tá entendeno.. e aqui.. quando chega aqui a gente encontra um pessoal que fala /?/.. eu acho bunito.. tá entendeno.. a fala de vocêis por aqui.. mais lá.. o custume.. nem observa.. né.. mas quando a gente chega aqui todo mundo sai recunheceno quano eu tô cunversano que eu chego num local os ôtro pergunta você é de onde.. é pernambucana ô paraibana.. aí eu digo paraibana.. purque cunhece logo.. e eu achei.. achei.. apesá que eu acho a voz de vocêis bunita aqui.. fala bem sabe.. diferente.. num sabe..
MC: Fala mais rápido..
MS: Fala mais rápido..
MC: E em relação as palavras você acha como.. você nota assim.. se tem alguma palavra que é usada na Paraíba e que não é usada aqui.. pra um objeto que é falado de uma forma diferente?
MS: Tem. Tem vários.
MC: Tem? Quais?
MS: Por exemplo.. ô.. produtos que você fala?
MC: Hum.. rum..
MS: Olha.. vocêis chama.. é.. água sanitária.. vocêis não chama água sanitária.. porque eu já cheguei em casa comerciais e eu pedi e a pessoa disse o que é isso.. aí eu disse.. olhe.. água sanitária.. aqui chama segundo ela...
MC: Q-boa.
MS: Q-boa. Nós temos um pequeno aparelho que vende nas casas comerciais.. até que eu peguei e a moça disse assim.. eu sabia que ela não ia entendê o que era.. a gente chama mariço.. ela fala água de coco.. lá na Paraíba a gente chama mariço.
MC: E é água de coco.
MS: É água de coco. E têm várias.. tem várias.. tem ôtras.. tá entendeno.. e aqui também.. pur exemplo lápis lá.. aqui só chama caneta.. né.. lá não .. lá é lápis de tinta e lápis comum.
MC: Lápis de tinta?
MS: Lápis de tinta. É o que vocêis chama de..
MC: Caneta.
MS: Caneta... é.. aqui apontador lá nóis chamamos lapisêra.. a caneta que vocêis chama aqui nóis chamamos lápis de tinta e o ôtro lápis comum.. ta entendeno..
MC: Ah.. é diferente.. essa ninguém me falô..
MS: /?/
MC: /?/
MC: Mas quando você veio pra cá.. você encontrou alguma dificuldade.. assim.. porque embora sua família seja da Paraíba.. né.. e sua convivência seja mais com seus familiares sempre acaba perdendo alguma coisa do sutaque.. modo de fala.. né.. tem que sempre conversar com alguém.. assim.. alguém que você não conhece..
MS: Não.. não.. não tive não.. é tudo fácil.. né.. apesá de que eu acho assim que pur exemplo.. o portuguêis mais correto.. que lá no nordeste na Paraíba sempre é mais.. é.. é.. de certa forma sem muita istrutura.. cumé que se diz..o vocabulário de lá é /?/ bruto.. o pessoal eles não tem uma didática.. eu acho até assim.. até as próprias criança que eu admiro muito aqui.. pur exemplo.. aqui pur exemplo.. São Paulo.. Brasília.. esses lugares.. é até a própria criança.. eu acho /?/ .. eu acho muito bunito tem o tom de voiz correto... purque lá tem muitas coisas até palavras assim.. que a gente usa de custume.. botá.. tá entendeno.. /?/ custuma dizé.. bota isso minino.. lá você diz bota..
MC: Aqui é mais coloca.. colocar..
MS: É.. aqui usa coloca.. coloca.. pur exemplo.. im São Paulo é pô.. cada lugá.. lá é botá.. /?/.. é assim.. mais eu num achei dificuldade nisso.. sabe.
MC: Mas assim.. você acha que isso tem a ver com o grau de escolaridade?
MS: O quê?
MC: O grau de escolaridade.
MS: Tem.. tem muito.. tem.. tem muito.. é por isso que eu digo.. o nível de escolaridade lá é um e aqui é ôtro.. a gente vive lá todo mundo cum aquela merma linguagem.. e aqui é ôtra forma.. é por isso que cada lugá tem uma adaptação de...
MC: Hum.. rum..
MS: De.. é diferente.
MC: E também tem aquela questão que aqui vem gente de todos os lugares.. e lá já é..
MS: Lá só é o próprio paraibano.. num é?
MC: Mas você acha que é importante a pessoa preservá o /?/ dela..o modo de falá.. a cultura mesmo tando distante?
MS: Em ôtro estado?
MC: É.. porque muitas vezes assim.. a pessoa.. é.. do nordeste.. ô então do Amazonas.. quando vem pra cá.. /?/.. a pessoa perde um pouco.. procura perdê um pouco do modo de falá.. né.. pra adaptá..
MS: Mas é difícil.. porque é difícil.. mudá.. mudá.. puque as pessoa sempre.. cunhece logo a diferença.. né.. aí às vezes a gente qué mudá.. mas é difícil mudá.. tá entendeno.. agora com o passar dos tempos.. né.. muitas pessoa até que muda.. agora eu pur exemplo.. que eu vim há pôco tempo.. não dá pra mudá tão rápido assim.. mais eu acho que tem necessidade de mudá.. purque você convive.. as pessoas acham feio.. riem.. sabe.. é diferente.. tá entendeno..
MC: É realmente tem umas pessoas que.. né..
MS: Acham estranho.
MC: É. Então.. é.. assim em relação à língua você acha então.. que é importante a pessoa se adaptá ao estado.
MS: Com certeza.
MC: Mas é.. na relação cultural.. porque a língua é uma relação cultural também..né.. tem a ver com a cultura.. se a pessoa também perdê sua língua também pode perdê um pouco da cultura dela.
MS: Exatamente.. aí onde está.. purque é como eu digo as pessoas às vezes.. é sobre a cultura.. ela fica.. muda de estado pra estado.. cada um tem uma cultura diferente.
MC: Certo.
MS: Isso mermo.. aí fica difícil.. é como eu digo a mudança acontece.. como eu digo.. com o tempo.. com o passá do tempo a pessoa pode se adaptá.. pode.. sabe..
MC: Uma mudança natural.
MS: Natural.. natural.. /?/
MC: Então qué dizé que você qué voltá pra Paraíba..
MS: Tenho vontade.. minha terra.. né.. meus conterrâneos.. minha família..
MC: Então tá bom.. acho que era isso.
MS: Era isso?
MC: Muito obrigada.






Entrevista 3

Senhor N.F.S.

MC: Qual seu nome?
NF: N.F.S.
MC: Qual é a sua idade?
NF: Eu tenho trinta e dois ano.
MC: Trinta e dois.. é.. você estudou até que série? Cê terminou o segundo grau?
NF: Ah.. eu fiz o tercêro ano.. cumé que chama..
MC: Terceira série.
NF: Muito mal.
MC: Ah.. tá.. e você nasceu na Paraíba?
NF:Nasci na Paraíba numa cidade chamada Manaíra.
MC: Venho de Manaíra.. quase todo mundo aqui nasceu em Manaíra.. num é?
NF: Isso.
MC: E.. tem quanto tempo que você mudou pra cá?
NF: Olha já vai fazê.. tem dizessete ano já que eu saí da Paraíba e vim aqui pra cá.
MC: Tá.. antes disso.. você só morô na Paraíba e depois venho pra cá.. né?
NF: É.
MC: E durante esse tempo que você veio pra cá.. você voltô alguma vez lá.. na Paraiba pra visitá?
NF: Eu fui lá.. passei só uns dia lá.
MC: Só uns dias.
NF: Isso.
MC: Voltô só uma vez?
NF: Só uma veiz de quano eu vim de lá pra cá.. eu só fui lá uma veiz
MC: E dessa vez que você foi pra lá.. você notou alguma diferença.. na sua cidade..
NF: Não.. achei nada assim.. de diferente não.. diferente assim.. diferente assim você fala a cidade.. a cidade é algumas coisa.. mais a forma das pessoa não.
MC: Mas você tem vontade de voltá pra lá.. a passeio.. ou então pra morá..
NF: Ah.. pra morá não tem não.. mas a passei .
MC: Por que você não tem vontade de voltá a morá lá?
NF: Pra morá é muito bom.. mais entenda assim.. a gente já acustumô aqui a trabalhá e tê um dinhêro.. lá é difícil um trabalho.. né.. pra gente tê o dinhêro.. né..
MC: E quando aposentar.. você pensa?
NF: Não.
MC: Quê ficá aqui mesmo?
NF: É.
MC: Então você gosta daqui?
NF: Eu gosto.
MC: Quando você viajou pra lá.. é.. conhecendo as pessoas de lá..você sendo de lá.. você não achou alguma diferença no sutaque.. no modo de falá das pessoas de lá.. comparando com as pessoas de Brasília e de ôtros estados?
NF: Notá.. nota um pôco.. mas eu mesmo assim.. vamo supô... é.. cumé que pode dizé.. eu mermo falano comigo assim num tem nenhum tipo de diferença assim não.. pra mim acho que não tem não.
MC: Assim você não sente dificuldade de se comunicar.. é isso.
NF: Não.. não.. é.. isso aí num.. né..
MC: E em relação ao sutaque..
NF: Tem hora que a gente.. tá.. tá.. tem uma direrençazinha.. né.. mas a gente que é de lá num a gente num tem.. num tem aquela.. /?/.. que tá falano diferente.. que a gente vem de lá.. tem uma diferençazinha..
MC: No modo de falá.. né..
NF: Isso.
MC: Mas.. im que você vê essa diferença?
NF: Na hora de bolá minhas palavra.. né.. assim.. é mei puxado.. a forma de falá.
MC: Puxado de quem .. assim.. de quem é da Paraíba ou de quem é daqui?
NF: De quem é de lá.
MC: De quem é de lá.. né..
NF: Nóis que somo de lá mermo.. nóis fala lá e num vê diferença ninhuma.. aí quano a gente chega im ôtra cidade igual Brasília.. aí qué dizê.. a gente sente a diferença de lá.
MC: Você convive com pessoas de outros estados?
NF: Sim convivo. Trabalho com várias pessoas de vários lugares diferente.
MC: E lá no seu trabalho.. você que tem muita diferença entre as pessoas no seu modo de falá..
NF: É que num tem assim.. as pessoa que são bem estudada.. /?/..
MC: No caso.. você acha que as pessoas que vão estudando.. segundo grau.. ou um grau mais de escolaridade.. você acha que elas vão perdendo o modo delas falá?
NF: Com certeza.
MC: Mas por que você acha que muda o modo de falá?
NF: Bom.. eu entendo assim.. que é a forma.. vamo supô.. eu como minha leitura é muito pôca.. às veze eu vô falá uma palavra e tá faltano uma síbala.. alguma coisa.. assim.. sei lá.. mais ô menu assim.. né..a palavra vamo supô tá errada.. num é.. e você teno o estudo você fala a palavra correta.. né.. com todas as síbala.. né.. eu acho que é isso.. num sei.
MC: Ah.. tá... tendi... mas assim.. você acha que a pessoa quando muda de um estado pra ôtro.. você acha que é importante ela aprendé o modo do local que ela tá morando.. o modo de falá..
NF: Tipo assim.. é.. eu sô da Paraíba.. eu vô pra ôtro estado...
MC: Você vem pra cá.. você acha que é importante você.. aprendê.. pegá um pôco do modo que pessoal daqui fala ô não?
NF: Sei lá.. eu acho que é bom.. mais num precisa não.. você tem que se comunicá do seu jeito.. né.. eu penso isso assim.. porque às vezes eu mermo.. se eu fô querê falá de ôtra manêra que.. /?/.. se fô falá de ôtra forma vai sê mais difícil ainda d’eu comunicá cum as pessoa.
MC: Mas por que você acha que é ruim com as palavras?
NF: Tem hora que eu falo muitas palavra errada..né.. eu num consigo falá algumas palavra.. ô.. o nome.. nome G.. tem que hora que eu num.. eu sei que eu num falo bem certo.
MC: Ah tá..mais vc acha que é por causa do sotaque?
NF: Não..não..eu acho que é assim...que é a forma do istudo tamem que atrapaía..você sabeno..assim..as../?/..fica mais fácil..né você sabeno lê fica mais fácil de juntá as letra e fala a palavra certa.
MC: Ah tá.
NF: Pelo sutaque não.. tem muitas pessoa que tem o mermo sutaque igual o meu que fala as palavra certa..igual a L..ela tem sutaque.. mais fala todas palavra certa.. é que nem a L.. tá entendeno.. isso aí eu acho assim.. que os estudo que ela tem bem maió do que eu.. ela fala todas as palavra certa.. qué dizé.. aí eu já acho que é o istudo.. não é purque ela é.. paraibana.
MC: Sem perdê o sutaque.. não é..
NF: Isso sem perdê.. ela fala.. ela fala.. exatamente o nordestino.. mas a fala é correta..
MC: Então em relação ao sutaque.. pelo que eu entendi você pensa que se a pessoa preservá o sutaque não tem problema.. não é.. agora em relação a pronúncia.. a falar as palavras corretamente com todas as letras aí é necessário.. é isso?
NF: Exatamente. Isso com certeza.. purque muitos.. vamu supô.. também tem muitos nordestino.. muitas pessoas que falá assim.. critica.. mais também tem muito nordestino que é bem formado mermo.. num é.. purque.. purque é bem istudado.. e fala até muitas língua diferente.. né..
MC: Então.. no caso.. na sua opinião quem estuda mais então.. tem o falar mais correto.
NF: Com certeza.. é sem dúvida.. né.. tem.. quem tem o estudo bem melhó tem a forma melhó de falá.
MC: Então é isso.. obrigada.
NF: De nada.
MC: É só isso mesmo.

















[1] Grifo prórprio.
[2] Grifo do autor.
[3] Grifo do autor.